Crítica: Horsegirl - Phonetics On and On
Segundo álbum de estúdio do trio foi produzido por Cate Le Bon
Com apenas seis anos de estrada, a banda Horsegirl virou uma das queridinhas da nova geração a ponto de, antes mesmo de lançar qualquer material, já haviam assinado com a gravadora Matador para lançar o primeiro álbum de estúdio, “Versions of Modern Performance”, em 2022. Como qualquer grupo jovem forjado na pandemia de COVID-19, as coisas demoraram mais do que o normal para acontecer, mas estão finalmente acontecendo para esse trio de amigas de Chicago formado por Nora Cheng, Penelope Lowenstein e Gigi Reece, que deixam a adolescência e partem para a vida adulta em “Phonetics On and On”.
Para o segundo álbum de estúdio dessa curta carreira, elas contaram com a produção de Cate Le Bon, que recentemente produziu “Cousin” (2023), último trabalho de estúdio do Wilco. Aliás, foi no estúdio da banda, chamado The Loft, que elas gravaram as faixas do novo trabalho. Um dos méritos da produção de Le Bon é diminuir o ritmo da ansiedade juvenil e colocá-las em um patamar acima, na linha do “agora vocês estão no mundo dos adultos, a coisa mudou”.
A contagiante “Where'd You Go?” abre o álbum falando de despedida, agora que o trio deixou Chicago e mora em Nova York, porque Penelope e Nora fazem faculdade de inglês na NYU. E o tom do álbum, basicamente, aceita a distância e a mudança de cidade como uma tarefa a ser cumprida para algo maior. Elas até tentam brincar com a situação em “Rock City” e em “2468”, mas é a melancolia de “In Twos” acaba soando como o verdadeiro sentimento sobre toda essa movimentação dos últimos meses.
“Well I Know You're Shy” e “Switch Over” soam como uma bobeirinha adolescente bem gostosinha de ouvir pelo andamento simples e bem fácil de aprender, duas pérolas divertidas que toda banda iniciante tem (“What happened out there?/ I wish it was me/ What happened out there?/ I wish it was me/ What happened out there?/ Well, I know you're shy/ If you listen to me, you'll know/ I wanna say, "Hi," in your window”), um contraste total com a potente letra de “Julie”, uma declaração de amor meio improvisada musicalmente e retirada do fundo de uma pessoa que segue tentando acertar de alguma maneira.
Outra música que exemplifica bem o álbum todo é “Information Content”, uma mistura de letras (“Ooh-hoo, one step for the blatant rhyme/ I tread into the vacant time, it's due/ Ooh-hoo, tick-tock on a broken line/ You'll wait until you hear a voice come through/ Ooh-hoo, dead air and the humming's high/ With what you wish, it's what I wish l'd do/ Ooh-hoo, acknowledged every sigh/ With something that meant, ‘La, la, la’”) com onomatopeias musicais (“Ah-hoo, ah-hoo, ah-hoo”) em uma brincadeira musical que descamba para uma bagunça divertidíssima de ouvir até o final.
A tristeza de um dia ruim de Penelope virou um convite de Nora para se distrair tocando violão e o resultado aparece na melancólica “Frontrunner”, de letra reflexiva sobre esperar por alguém, enquanto “Sport Meets Sound” soa como se elas tivessem passado um final de semana inteiro ouvindo a discografia de Nico para criar a própria música experimental. O álbum é finalizado com “I Can't Stand To See You”, quando a decepção por alguém fica impregnada na cabeça por semanas a fio (“Well, I woke up to the radio/ Same old story and same old tune/ I've got a hunch or two/ Don't know what to do”).
Com ecos de Velvet Underground, Bob Dylan e Sonic Youth, o trio Horsegirl consegue falar de sentimentos e de acontecimentos reais de maneira muito simples ao brincar com a falta de palavras em boa parte das letras. Nem todo mundo é destinado a ser grande ou a conseguir coisas grandiosas nessa longa estrada da vida, mas o caminho delas nesses dois primeiros álbuns é bem simples e direto, algo que faz falta no mainstream da música nesse momento.
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Tracklist:
1 - “Where'd You Go?”
2 - “Rock City”
3 - “In Twos”
4 - “2468”
5 - “Well I Know You're Shy”
6 - “Julie”
7 - “Switch Over”
8 - “Information Content”
9 - “Frontrunner”
10 - “Sport Meets Sound”
11 - “I Can't Stand To See You”
Avaliação: muito bom
Gravadora: Matador
Produção: Cate Le Bon
Duração: 37 minutos
Nora Cheng: vocal (faixas 1, 2 e 7 a 11) e guitarra
Penelope Lowenstein: vocal (faixas: 1, 3 a 7, 9 e 10) e guitarra
Gigi Reece: bateria
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