Crítica: Manic Street Preachers - Critical Thinking
O 15º álbum de estúdio chega em um dos momentos mais conturbados do século XXI
Ainda lembro da primeira vez que ouvi o Manic Street Preachers: foi em uma edição do programa Garagem, apresentado por André Barcinski, Paulo César Martin e Álvaro Pereira Júnior, com Marcelo Rezende como convidado, há quase 25 anos. Entre as ótimas histórias contadas por ele, o último bloco mudou minha vida para sempre em um antes e depois. Naquele dia, o programa tocou “If You Tolerate This Your Children Will Be Next”, do Manics, e “Yoshimi Battles the Pink Robots, Pt. 1”, do Flaming Lips. Foi paixão por ambas à primeira ouvida.
No início dos anos 2000, a internet não era essa facilidade toda e era preciso conhecer alguém que conhecia alguém para conseguir algo considerado simples em 2025. Não tenho muita certeza, mas, aos 14 anos, eu deveria ser o único fã de Manic Street Preachers no bairro — aposto que continuo sendo aos 36 também —, então era impossível ouvi-los com a assiduidade que gostaria. O tempo passou, eu sofri calado, mas a sorte me sorriu e lá para 2004 fui ter um computador com internet em casa e conseguiria ter acesso ao arquivo do programa a todo material lançado por eles nos anos seguintes. Foi como me apaixonar. Então, a notícia do 15º álbum de estúdio, “Critical Thinking”, me animou como há muito não ficava com algo do tipo.
Um dos motivos de paixão instantânea pela banda foram as mensagens nas letras. “If You Tolerate This Your Children Will Be Next”, do álbum “This Is My Truth Tell Me Yours” (1998), nasceu de uma mensagem retirada diretamente de um protesto dos socialistas galeses enviados para combater o fascismo de Francisco Franco, que ganhou força para ficar no poder entre 1939 e 1975 na Espanha. Ao começar o novo trabalho com “Critical Thinking”, uma pedrada que mistura eletrônico com as guitarras sempre presentes, mostra que, perto dos 40 anos de existência, eles ainda têm muito a dizer. E o mundo atual os ajuda muito nesse sentido em um refrão insistente e grudento (“What happened to your critical thinking?”).
Ainda assim, a idade traz o otimismo de quem já passou por muita coisa e conhece alguns dos atalhos, além de falar sobre a divisão política dos nossos tempos (“Hiding in Plain Sight”). “Decline & Fall” aceita que a vida não é somente flores e, apesar de tudo, há sempre espaço para celebrar os pequenos milagres de cada dia, enquanto “Brushstrokes of Reunion” e “Dear Stephen” contam como objetos feitos ou presenteados por alguém que já se foi acabam nos reconectando com o passado de alguma maneira, nos levando a reviver lembranças trancadas e esquecidas na parte mais profundas das nossas memórias.
A destruição das coisas bonitas da vida em uma crítica pesada funciona muito bem (“People Ruin Paintings”), ainda mais quando a banda mistura o lúdico com a realidade em “Being Baptised”, em uma música que lembra muito o Smashing Pumpkins, em “Deleted Scenes” e “Late Day Peaks”. Eles relembram com carinho o amigo Richey Edwards em “My Brave Friend” (ele sumiu em 1ª de fevereiro de 1995 e teve a morte presumida declarada em 2008, mas a banda continua guardando o espaço dele nos shows desde então). E após falar do amigo com saudade, é tempo de renascer e encontrar a paz de espírito em “Out of Time Revival”.
O álbum encerra com a pancada política “OneManMilitia”, de ótimo refrão (“Even our dreams are intellectual like an ancient stone circle/ Tightly bound to a rigid dogma, will they last or take us under?/ Even our screams are intravenous, I'm so ashamed of my self-cеnsoring/ Why do I feel old and vulnerable? We all know who's rеsponsible/ Even our dreams are intellectual like an ancient stone circle/ Tightly bound to a rigid dogma, will they last or take us under?”)
Com muito a dizer em um mundo cada vez mais surdo, o Manics traz uma espécie de crítica esperançosa em “Critical Thinking”, mais um trabalho recheado com tudo que eles sabem fazer de melhor em uma prova que a longevidade aliada com as próprias crenças sempre traz algo de positivo para todos em mais um álbum cheio de reflexões e boas músicas, uma mistura imbatível para quem está disposto a dar uma chance.
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Tracklist:
1 - “Critical Thinking”
2 - “Decline & Fall”
3 - “Brushstrokes of Reunion”
4 - “Hiding in Plain Sight”
5 - “People Ruin Paintings”
6 - “Dear Stephen”
7 - “Being Baptised”
8 - “My Brave Friend”
9 - “Out of Time Revival”
10 - “Deleted Scenes”
11 - “Late Day Peaks”
12 - “OneManMilitia”
Avaliação: ótimo
Gravadora: Columbia
Produção: Dave Eringa & Loz Williams
Duração: 41 minutos
Nicky Wire: vocal e baixo
James Dean Bradfield: guitarra
Sean Moore: bateria
Gavin Fitzjohn & Nick Nasmyth: teclados
Wayne Murray: vocal de apoio
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Boa semana a todos!
Minha experiência ao conhecer o Manic não foi igual, mas tive o mesmo olhar (e ouvidos) sobre a carreira da banda e esse álbum mais recente. Mais pessoas deveriam conhecê-los!