Crítica: Cymande - Renascence
Veteranos retornam com segundo álbum de estúdio em uma década
O Cymande é um caso muito curioso: formado por filhos de imigrantes caribenhos nos anos 1970 na Inglaterra, o grupo conseguiu chamar atenção aqui e ali pela mistura de ritmos, mas o destino quis que o esperado sucesso nunca fosse confirmado. Alguns integrantes mudaram de profissão e seguiram a vida, afinal eles precisavam comer e alimentar a família que estava crescendo em ritmo acelerado, outros continuaram em papéis menores na indústria. Anos depois, uma nova geração de DJs redescobriu as músicas da banda em LPs baratos vendidos em sebos e liquidações. Em um movimento nada orquestrado, eles estavam na cabeça e nos pés de milhares de jovens pelo mundo.
Com essa história, quase um conto de fadas em um reconhecimento tardio pautado pela injustiça, falta de oportunidade e racismo de um lugar que raramente admitiu negros no topo, o Cymande voltou em 2012 e, três anos depois, lançou o álbum de inéditas “A Simple Act of Faith”. Mas não parou por aí e eles lançam, uma década depois, o segundo disco desse retorno inesperado e importante para rememorar uma das grandes bandas britânicas dos anos 1970.
“Renascence” começa com “Chasing An Empty Dream”, em que é possível ouvir toda habilidade musical em uma faixa cheia de ritmo que traz a herança dos tambores caribenhos com a guitarra, uma mistura invencível para quem sabe fazer sem exageros. Depois, chega uma das músicas mais bonitas do ano: “Road to Zion”. Essa balada romântica que mistura temas religiosos em uma analogia sobre a vida toca até mesmo os corações mais gelados e coloca lágrimas até nos rios mais secos (“May the father bless me/ I tried with all my might/ Till the pathway could be found/ There will be a new beginning/ When I reach the higher ground/ On the road to Zion”).
Vocês não têm ideia de como me assustei quando ouvi Celeste cantar os primeiros versos de “Only One Way” porque achava ser alguma regravação perdida de Amy Winehouse ou algo assim. Ela foi a escolha certa em uma música delicada e de tom paradisíaco para falar de uma busca romântica muito dramática que nunca chega ao fim. Com esse início forte, eles seguem em uma bonita homenagem a John Coltrane (“Coltrane”), em uma semi-instrumental (“Sweeden”), o chamado à luta de quem entende bem o sofrimento da vida (“How We Roll”), mais uma balada de refrão matador (“Heart of the Willing”) e na melancolia da descoberta da traição (“I Wanna Know”).
Mas é na certeira “Darkest Night” que a discussão sobre o racismo surge com força e faz qualquer um pensar em uma letra que diz poucas palavras, o suficiente para fazer pensar por uma vida inteira (“It’s never in the open, never face to face/ Nobody seems to know wrong from right/ The faithful trust is broken gone without a trace/ Lost in the darkest night (x2)”). Eles encerram o álbum na esperançosa “Carry the Word”, quando a comunhão de banda, música e ouvinte é completada.
Muitas vezes, o papel de quem trabalha com música, cinema, teatro e outras coisas também é de preservação do passado para contar uma história. Com o Cymande, isso se perdeu e eles foram esquecidos por quase 50 anos, até que serem redescobertos. Isso gerou interesse no retorno, muito bem documentado na última década. Em “Renascence”, eles abordam temas universais e fazem aquilo que atraiu um pequeno e fiel grupo de fãs ao longo dos anos. Possivelmente é um álbum que passará batido por aqui, mas recomendo muito a audição pela beleza das letras e dos arranjos. É um passeio por uma música que não chega em muitos ouvidos por aí.
Assine
Por apenas R$ 5 por mês ou R$ 50 no plano anual, você ajuda a manter o trabalho por aqui e fortalece o jornalismo independente. É importante porque o algoritmo do Google e a inteligência artificial, em outras palavras, estão f*dendo meu trabalho no site.
Tracklist:
1 - “Chasing An Empty Dream”
2 - “Road to Zion”
3 - “Only One Way” (Feat. Celeste)
4 - “Coltrane”
5 - “Sweeden”
6 - “How We Roll” (feat. Jazzie B)
7 - “Heart of the Willing”
8 - “I Wanna Know”
9 - “Darkest Night”
10 - “Carry the Word”
Avaliação: ótimo
Gravadora: BMG
Produção: Ben Baptie
Duração: 51 minutos
Patrick Patterson, Raymond Simpson, Steve Scipio & Tromeo (Cymande): vocal e instrumentos diversos
Chris Cameron: arranjador
Celeste: vocal na faixa 3
Jazzie B: vocal na faixa 6
Veja também:
Júlia: “Bom demais realizar sonhos”
A Júlia Gavillan foi no show do Taemin, um dos artistas mais famosos do K-Pop, no último sábado e pedi para ela escrever como foi vê-lo pela primeira vez ao vivo.
Crítica: Bad Bunny - Debí Tirar Más Fotos
Começo esse texto com uma confissão: apesar de saber quem é e ter contato com algumas músicas, não tenho muito conhecimento sobre a obra de Bad Bunny, cantor nascido em Porto Rico que, como alguns compatriotas, explodiu para o mundo e é um grande sucesso. E com todo mérito, porque conseguir arregimentar milhões de pessoas pelo mundo nesse nível realment…
Gostou do meu trabalho? Mande a newsletter para um amigo e compartilhe nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp e Telegram!
Boa semana a todos!