Discos históricos: Fruto Proibido, de Rita Lee & Tutti Frutti (1975)
Segundo álbum com a banda catapultou a cantora ao estrelato
Muita gente conhece os sucessos de Rita Lee, porque é muito difícil ler qualquer coisa sobre a música brasileira e não esbarrar sobre como ela virou uma máquina de hits entre meados dos anos 1970 e início da década seguinte. Mas antes de tudo isso, ela precisou enfrentar umas poucas e nada boas até entrar na cabeça e nos corações das famílias brasileiras.
Conhecida primeiro como integrante dos Mutantes, Rita Lee foi convidada a se retirar, como ela mesma disse na autobiografia: “fiz a silenciosa elegante. Me retirei da sala em clima dramático, fiz a mala, peguei Danny (a cachorra) e adiós”. Os irmãos Arnaldo Baptista e Sergio Dias haviam entrado na onda do rock progressivo e levaram a banda junto. Além disso, o casamento com Arnaldo acabou de maneira não tão amigável — a mágoa existiu até os últimos dias de vida da cantora.
Ainda como integrante da banda e antes do sucesso solo, ela gravou dois discos solos: “Build Up” (1970) e “Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida” (1972). O primeiro surgiu no embalo da primeira separação dos Mutantes e do sucesso da trilha sonora feita para o FENIT, que promovia a indústria têxtil nacional por meio de desfiles e shows — um pré-São Paulo Fashion Week. Enquanto o segundo nasceu como uma desculpa da banda, que havia voltado, para usar o novíssimo estúdio do selo Eldorado com uma mesa de 16 canais. Pelo contrato, eles só podiam lançar um álbum por ano e acabou que o trabalho, com todo mundo envolvido, acabou levando apenas o nome da cantora — soa confuso, porque são e não são álbuns solos pela forma como foram feitos. Apesar do reconhecimento posterior, nenhum dos álbuns teve muita repercussão na época do lançamento.
Após a expulsão e o fim do relacionamento, Rita demorou um bocado para voltar a fazer música e começar a “namorar o violão” novamente. Primeiro, passou uma temporada em Londres onde ficou com Gilberto Gil e acabou indo assistir a show do Yes com abertura de Elton John. Ao voltar, formou com Lúcia Turnbull o grupo Cilibrinas do Éden, um fracasso retumbante. Mas foi Turnbull quem sugeriu uma banda da Pompeia para acompanhá-las na próxima empreitada.
Formado pelo guitarrista Luis Sérgio Carlini, o baixista Lee Marcucci e o baterista Emilson Colantonio, o Lisergia tocava na noite em São Paulo, era ótima e tinha certa experiência. Ao conhecê-los e tocar com eles, deu bom logo de cara. Segundo Rita, também na autobiografia, ela não gostou do nome e foi o dramaturgo Antonio Bivar que surgiu o nome Tutti Frutti. Como ela ainda tinha contrato com a Phillips, os diretores exigiram que a banda se chamasse Rita Lee & Tutti Frutti. Tudo bem, eles aceitaram. O problema foi ter, logo de cara, o primeiro álbum vetado. Foi em dezembro de 1973 que, ao saberem que os projetos seriam engavetados, ela e Tim Maia quebraram toda sala de André Midani, presidente da gravadora.
“Lembro que Midani impediu o lançamento porque achou mal gravado. A intenção dele era me transformar em uma cantora pop na marra, ele odiava a formação original do Tutti Frutti”, disse Rita, em entrevista para Folha de S. Paulo, em 1999. Ainda havia algo pior por vir: a banda montou um show baseado nesse LP que nunca saiu. Foi um desastre, claro. E eles seguiram em frente. E nada poderia ser pior.
A estreia oficial acabou sendo com “Atrás do Porto Tem uma Cidade,” de 1974, um desastre ambulante. O ambiente era péssimo por brigas de ego entre Carlini e Turnbull por destaques na guitarra, havia certos olhares tortos por conta de créditos nas músicas e não ajudou quando Marco Mazzola, imposto pela gravadora no primeiro trabalho da longeva carreira, discutia com os integrantes e pecava pela inexperiência. Midani queira transformar Rita em uma cantora pop, enquanto a banda queria fazer um blues rock inspirado nos Rolling Stones com pitadas de David Bowie.
Com esse furacão acontecendo, Mazzola regravou trechos das músicas, convocou Mamão, do Azymuth, para refazer a bateria e colocou uma orquestra em outra parte. Tudo isso sem a banda saber. Foi nesse tumulto todo que Lucinha acabou saindo do grupo — segundo ela, em entrevistas futuras, a gravadora nunca aceitou muito bem duas mulheres liderando uma banda de rock. Também chegou ao fim o contrato de Rita com a Phillips e ela se escafedeu. Acabou por assinar com a Som Livre.
A gravadora foi fundada em 1969 como parte do braço musical do Grupo Globo para lançar trilhas de novelas primordialmente. João Araújo, pai de Cazuza e presidente da empresa, viu que era inviável só correr atrás de autorizações da concorrência para ter as músicas nas novelas e começou a construir um elenco de peso. Em 1971, saiu a trilha sonora de “O Cafona” e, seis anos depois, era líder de mercado. Araújo contratava os artistas com uma promessa: total liberdade no estúdio. Foi assim que os Novos Baianos lançaram “Acabou Chorare” (1972), Edy Star fez história com “Sweet Edy” (1974), considerado o primeiro disco gay da música brasileira, Djavan lançou o disco de estreia, “A Voz, O Violão, A Música De Djavan” (1976), entre outros.
Com mais responsabilidade e entendendo melhor o papel como líder de banda, Rita Lee se concentrou em fazer um grande disco. Com Franklin Paolillo na bateria no lugar de Colantonio e a chegada de Andy Mills, técnico de som de Alice Cooper que a cantora conheceu durante a passagem pelo Brasil e o convidou para produção, eles foram para uma casa e trataram de levar tudo da maneira mais profissional possível — ela trabalhou com a banda e Paulo Coelho em composições no que ela chamou de “disquinho bacana”. Com tudo praticamente pronto, eles partiram para o estúdio Eldorado, no centro de São Paulo.
“Preparamos ‘Fruto Proibido’ durante o Carnaval de 1975 e gravamos logo depois. O disco nasceu de maneira divertida, com a gente curtindo o que estava fazendo. Bem afiados. Acho que foi o melhor momento da banda, e foi quando a Rita Lee se tornou a rainha do rock brasileiro”, disse Carlini, em entrevista para Zero Hora, que também ouviu Mills sobre o trabalho.
“Deixei todos na mesma sala para capturar um clima mais ao vivo. Acho que isso fez com que o resultado soasse novo. A banda estava bastante unida, então, fomos capazes de captar momentos mágicos”, falou o produtor.
Lançado em 30 de junho de 1975, “Fruto Proibido” catapultou Rita Lee ao estrelato como líder de banda, cantora e compositora de sucesso e acabou eleito o melhor disco do ano para Revista Pop. A repercussão foi tão boa que quatro das nove músicas, “Agora só Falta Você”, “Ovelha Negra”, “Dançar para Não Dançar” e “Esse Tal De Roque Enrow”, ganharam clipes no Fantástico, programa da Globo — em uma época pré-MTV Brasil, ter um clipe lançado na maior audiência da TV no domingo era sucesso na certa.
Com o sucesso em plena ditadura militar, a caserna não gostou nada e começou a censurá-la cada vez mais nos trabalhos seguintes. Mas isso era coisa do futuro. No então presente, Rita Lee mostrava que não precisava ser domesticada para ser uma cantora de pop rock qualquer. Ela só precisava ser ela mesma. Assim, mostrava-se imbatível.
Crítica de “Fruto Proibido”
A união de Rita Lee com o Tutti Frutti ganhou força e fôlego no segundo álbum de estúdio, o terceiro gravado se contarmos com o trabalho engavetado por André Midani, então todo-poderoso da Phillips. Com as rédeas das composições, a cantora já falava do amor muito antes de conhecer Roberto de Carvalho. “Dançar Pra Não Dançar”, com um andamento meio jazz, meio blues, abre “Fruto Proibido” com ela pregando a liberdade para dançar como quiser.
Ninguém sabia do tamanho de “Agora Só Falta Você”, uma espécie de hino dos apaixonados e presentes em várias propagandas e novelas ao longo dos anos. Ser livre era a pauta da vez, mas, como prega a música, só faltava alguém. Luis Sérgio Carlini dá show no solo de guitarra desse pop rock gostoso de ouvir e dançar até hoje. A primeira de três colaborações de Paulo Coelho no álbum aparece no blues “Cartão Postal”, mas o disco vira a chave no rockabilly da animada faixa-título e encerra o lado A com um dos grandes sucessos do disco: “Esse Tal De Roque Enrow”, segunda aparição de Coelho em uma música (“Ela nem vem mais pra casa, Doutor/ Ela odeia meus vestidos/ Minha filha é um caso sério, Doutor/ Ela agora está vivendo/ Com esse tal de Roque Enrow/ Roque Enrow, Roque En...”)
A segunda parte começa com “O Toque”, terceira música da dupla Coelho e Rita. De tons esotéricos, bem a cara da época, a faixa combina bem o vocal com uma espécie de blues rock misturado com viagem de ácido para mundo que só eles têm a chave. “Pirataria” traz, mais uma vez, Rita Lee desafiando proibições e regras para falar o que bem entender sobre qualquer assunto.
A história de Luz Del Fuego só viraria filme em 1982, em uma dos papéis marcantes da carreira de Lucélia Santos. Porém, cinco anos antes, Rita Lee escreveu e lançou uma música sobre si em que se compara com a artista e se vê como representante dessa luta da liberdade feminina em plena ditadura militar. O riff de guitarra é contagiante, assim como a letra cheia de referências (“Eu hoje represento a loucura/ Mais o que você quiser/ Tudo que você vê sair da boca/ De uma grande mulher/ Porém louca!”).
Para encerrar, inspirada pela irmã Mary, a verdadeira rebelde da família por muito tempo, Rita escreveu “Ovelha Negra” e tomou liberdades poéticas para lançar uma das melhores e mais famosas músicas do rock nacional, conquistando a identificação imediata das pessoas com a letra — ela precisou dar explicações ao pai quando ouviu a música pela primeira vez, pois ele nunca a expulsou de casa e a acolheu diversas vezes nos momentos difíceis. E ainda há o solo de Carlini na parte final, que ele sonhou e insistiu para gravá-lo com a música pronta para entrar no disco. O produtor Andy Mills ouviu, a banda aprovou e fez história (“Baby, baby/ Não adianta chamar/ Quando alguém está perdido/ Procurando se encontrar/ Baby, baby/ Não vale a pena esperar, oh não/ Tire isso da cabeça/ Ponha o resto no lugar”).
A história pode ser muito bonita para quem lê ou ouve sobre, mas vivê-la não é nada fácil. Rita Lee suou muito para conquistar a independência musical e liberdade para gravar o que bem entendesse. E tudo começou em “Fruto Proibido”, quando conseguiu tudo isso e pôde, enfim, colocar todo potencial para fora, que geraria frutos inesquecíveis pelos anos seguintes.
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Ficha técnica
Tracklist:
Lado A
1 - “Dançar Pra Não Dançar” (Rita Lee) (4:13)
2 - “Agora Só Falta Você” (Luis Sérgio Carlini/Rita Lee) (3:25)
3 - “Cartão Postal” (Paulo Coelho/Rita Lee) (3:25)
4 - “Fruto Proibido” (Rita Lee) (2:04)
5 - “Esse Tal De Roque Enrow” (Paulo Coelho/Rita Lee) (3:53)
Lado B
1 - “O Toque” (Paulo Coelho/Rita Lee) (5:20)
2 - “Pirataria” (Lee Marcucci/Rita Lee) (4:29)
3 - “Luz Del Fuego” (Rita Lee) (4:43)
4 - “Ovelha Negra” (Rita Lee) (5:39)
Gravadora: Som Livre
Produção: Andy Mills
Duração: 37 minutos
Estúdio: Eldorado (São Paulo)
Rita Lee: vocal, violão e sintetizador
Luis Sérgio Carlini: guitarra, guitarra slide, violão, gaita e vocal de apoio
Lee Marcucci: baixo e cowbell
Franklin Paolillo: bateria e percussão
Guilherme Bueno: piano e clavinete
Gilberto Nardo e Rubens Nardo: vocal de apoio
Manito: saxofone, flauta e órgão Hammond
Otávio Augusto: assistência de produção musical
Flávio Augusto: gravação
Luis Carlos Baptista: gravação e mixagem
Carlos Savalla: remasterização
Luigi Hoffer: remasterização
Gaivota: assistência técnica
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