Discos históricos: In the Wee Small Hours, de Frank Sinatra (1955)
Terceiro trabalho pela Capitol traz apenas canções tristes
Começar um texto escrevendo “Frank Sinatra estava acabado no início dos anos 1950” pode parecer uma loucura em 2025. Mesmo quem se lembra pouco da carreira, como meu caso, sabe que ele foi considerado um dos melhores cantores do século XX, era um rosto dos mais conhecidos do mundo e cheios de histórias espetaculares sobre os casamentos, do envolvimento com a máfia e muito mais. Mas ele estava acabado. Era sério. Com quase 40 anos e ex-ídolo adolescente quando o termo não existia e os filhos ouviam as mesmas músicas dos pais, ninguém queria saber a ponto da Columbia, que o tinha sob contrato desde 1943, dispensá-lo sem o menor constrangimento. A vida pessoal também estava em frangalhos.
Na mesma época em que ficou sem gravadora, viu a audiência do “The Frank Sinatra Show” cair em comparação com a primeira temporada, precisou pedir US$ 200 mil emprestados para pagar impostos atrasados e se separou de Nancy Barbato, mãe de Nancy Sinatra. Pouco tempo depois, eles assinaram o divórcio. Tudo isso entre 1949 e 1953. Parecia ser um caminho de não retorno. Mas ele sacudiu a poeira e começou a se recuperar. Primeiro, dez dias após estar solteiro oficialmente, se casou com a atriz Ava Gardner e assinou um contrato de sete anos com a Capitol. E a coisa só melhorava.
Ator coadjuvante de “A Um Passo da Eternidade”, dirigido por Fred Zinnemann e com Burt Lancaster, Montgomery Clift, Deborah Kerr e Donna Reed no elenco, o cantor levou o Oscar na categoria em 1954. No mesmo ano, ele lançou os dois primeiros LPs pela nova gravadora e emplacou oito singles no Top 20. Definitivamente, Sinatra estava de volta, um retorno desses de cinema: de astro divorciado e derrotado a casado com uma das grandes estrelas de Hollywood, fazendo sucesso na música e atingindo o ápice no cinema. Mesmo com tudo isso nas mãos, ainda era um homem falho, intenso nas qualidades e nos defeitos. Claro que ele manteve amantes, assim como Gardner. O ciúme foi maior do que tudo. Eles se separaram dois meses após o cantor receber o prêmio da Academia.
Sinatra sentiu o peso das falhas, porque a amava profundamente a ponto de, anos depois, pagar todo tratamento de saúde após ela sofrer um grave derrame no final dos anos 1980 – Gardner morreu em 25 de janeiro de 1990. Em meio a todos esses problemas pessoais, ele começou a trabalhar no repertório do terceiro disco pela nova gravadora, o nono da carreira que estava prestes a completar duas décadas.
Se ele era um homem intenso nos casamentos e nos relacionamentos extra-conjugais, Sinatra também era assim no estúdio. Diferentemente das travas colocadas pela Columbia para gravação dos discos, o cantor tinha total liberdade na Capitol. Ao chegar com repertório nas mãos, ensaiado e escolhido em casa com ajuda do pianista Bill Miller, sabia exatamente como queria gravar. A fase ruim e a maturidade foram aliadas fundamentais na escolha das músicas e dos arranjos, sempre em colaboração direta com o maestro Nelson Riddle. Os dois compartilharam muitas ideias nas gravações dos dois primeiros LPs na nova casa, então já estavam mais do que acostumados com a figura um do outro — um implacável nas escolhas, o outro um tradutor para os músicos dos pedidos feitos.
“Você tem que estar sempre no ponto. O homem, de alguma forma, tira tudo de você, e ele tem o mesmo efeito sobre os garotos da banda. Eles sabem que ele está falando sério, então dão tudo de si”, disse Riddle, em depoimento ao livro “Sinatra 100”, de Charles Pignone.
Sinatra sempre conseguia escolher o melhor arranjo para cada música desse trabalho, conhecido como “o álbum da Ava” para quem esteve no estúdio KHJ, nos dias 8, 16 e 17 de fevereiro e 1º e 4 de abril de 1955. Por conta dos horários e compromissos do cantor ao longo do dia e da madrugada, as sessões começavam às 20h e continuavam até depois da meia-noite. Com a intenção em gravar um trabalho cheio de angústia, “In the Wee Small Hours” se transformou no primeiro disco conceitual dos Estados Unidos, com um único tema dominando as músicas do início ao fim — a vulnerabilidade era tão grande, que o cantor chorou após finalizar a gravação de “When Your Lover Has Gone”.
A capa, uma das mais reconhecíveis da história da música pop dos últimos 70 anos, traduz com maestria a temática das 16 músicas: Sinatra, sozinho, fumando um cigarro, de chapéu levantado e com cara de resignado. É desenho simples sob todos os aspectos, mas certeiro para transmitir a mensagem correta. Não dava para se surpreender com o repertório com essa escolha.
Lançado em 25 de abril de 1955, o LP, no gosto do cantor, queria que fosse o primeiro em 12”, mas acabou saindo em dois LPs de 10” e em EPs conjuntos de 45 rpm, cada um com dois discos. Apesar do receio da Capitol por conta do repertório mais sombrio e nada pop dos anteriores, o trabalho chegou no segundo lugar na parada de álbuns dos Estados Unidos e começou uma longa caminhada de 33 semanas seguidas por lá, sendo 18 semanas no Top 10. Pouco tempo depois, o álbum saiu na versão 12”.
Canções tristes fazem parte da história da música desde sempre, e Sinatra não foi o primeiro, nem o último, lançar um do tipo. A grande questão sobre “In the Wee Small Hours” é como ele interpretou cada música e como colocou sentimento, mostrou fragilidade e fez o disco um desabafo belo e melancólico sobre como é a vida. São esses motivos que o fizeram ser considerado uma obra-prima atemporal para mostrar como até alguém do tamanho dele sofreu por amor.
Crítica de “In the Wee Small Hours”
A faixa-título abre o trabalho de maneira brilhante, um bom resumo do que está por vir tanto no canto de Frank Sinatra, aos 39 anos, quanto nos arranjos de Nelson Riddle. O jeito como ele interpreta o refrão (“When your lonely heart has learned its lesson/ You'd be hers if only she would call/ In the wee small hours of the morning/ That's the time you miss her most of all”) já deixa qualquer um com lágrimas nos olhos. E é só o começo.
O lado A continua com uma série de músicas tristes, que não variam na temática em si, mas abordam os diversos aspectos desse sentimento tão comum na vida de todos nós: “Mood Indigo” é um pedido para tristeza ir embora, “Glad to Be Unhappy” ironiza a infelicidade sendo uma pessoa “feliz”, “I Get Along Without You Very Well” traz a força do aprendizado ao ficar sozinho, mas a lembrança ainda existe quando os olhos são fechados em “I See Your Face Before Me”. Essa primeira parte ganha ainda mais força com as duas últimas faixas: “Can't We Be Friends?” e “When Your Lover Has Gone”.
A primeira, gravada e regravada por diversos artistas desde 1929, traz um Sinatra dando enfase a última estrofe, momento em que ele canta o título da música com muita dor no coração (“I thought for once it couldn't go wrong/ Not for long I can see the way this ends/ She's gonna turn me down and say/ ‘Can't we be friends?’”). A segunda coloca o cantor em uma posição de vulnerabilidade nunca ouvida antes — ele quer você sinta o que ele sentiu no momento da gravação. Mais um relato afirma que as lágrimas escorreram ao cantar “What lonely hours, the evening shadows bring/ What lonely hours, with memories lingering/ Like faded flowers, life can't mean anything/ When your lover has gone”.
Ao terminar a primeira parte, qualquer um pode se perguntar: é possível ficar ainda mais triste? A resposta é sim. Se a primeira ele reflete sobre todos os acontecimentos e lamenta o fim, a segunda traz o conjunto de oito músicas quase cheirando a uísque de primeira e cigarros. A resignação é tão forte quanto os questionamentos dos motivos que o fizeram estar sozinho. Começando com “What Is This Thing Called Love?”, de Cole Porter, Sinatra passa pela lembrança do que viveu (“Last Night When We Were Young”), alimenta a esperança do término do novo namoro da amada (“I'll Be Around”), implora por uma trégua para ficar em paz consigo mesmo ao menos por um dia (“Ill Wind”) e se arrepende de perder as coisas simples de estar em um relacionamento (“It Never Entered My Mind”).
A mais poética do disco, “Dancing on the Ceiling”, apresenta o lado sonhador em uma canção meio estranha em comparação com as outras — parece meio deslocada. Logo depois, chega um dos grandes momentos de Sinatra na carreira. Ao mostrar o homem completamente destroçado e completamente mudado, “I'll Never Be the Same” é aquela música quase autobiográfica de tão real (“I'll never be the same/ There is such an ache in my heart/ Never be the same/ Since we're apart/ Though there's such a lot that a smile may hide/ I know down deep inside/ I'll never be the same/ Never be the same again”). Ele termina com “This Love of Mine”, coescrita com Sol Parker e Henry W. Sanicola Jr., uma potente carta de amor cheia de melancolia, um lamento de um homem cansado de tanto sofrer.
Frank Sinatra precisava provar ao mundo que seguia vivo e recebeu uma segunda oportunidade na vida ao assinar com a Capitol. A segunda parte da carreira do cantor dos olhos azuis mais conhecidos do mundo começa com um dos melhores discos dos últimos 100 anos, um tratado sobre tristeza, abandono, melancolia e sofrimento. “In the Wee Small Hours” mostrou ao mundo o poder da voz de Sinatra, ainda inesquecível quase 30 anos após a morte dele.
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Ficha técnica
Tracklist:
Lado A
1 - “In the Wee Small Hours of the Morning” (Bob Hilliard/ David Mann) (3:00)
2 - “Mood Indigo” (Barney Bigard/ Duke Ellington/ Irving Mills) (3:30)
3 - “Glad to Be Unhappy” (Richard Rodgers/ Lorenz Hart) (2:35)
4 - “I Get Along Without You Very Well” (Hoagy Carmichael) (3:42)
5 - “Deep in a Dream” (Eddie DeLange/ Jimmy Van Heusen) (2:49)
6 - “I See Your Face Before Me” (Howard Dietz/ Arthur Schwartz) (3:24)
7 - “Can't We Be Friends?” (Paul James/ Kay Swift) (2:48)
8 - “When Your Lover Has Gone” (Einar Aaron Swan) (3:10)
Lado B
1 - “What Is This Thing Called Love?” (Cole Porter) (2:35)
2 - “Last Night When We Were Young” (Harold Arlen/ Yip Harburg) (3:17)
3 - “I'll Be Around” (Alec Wilder) (2:59)
4 - “Ill Wind” (Harold Arlen/ Ted Koehler) (3:46)
5 - “It Never Entered My Mind” (Richard Rodgers/ Lorenz Hart) (2:42)
6 - “Dancing on the Ceiling” (Richard Rodgers/ Lorenz Hart) (2:57)
7 - “I'll Never Be the Same” (Gus Kahn/ Matty Malneck/ Frank Signorelli) (3:05)
8 - “This Love of Mine” (Sol Parker/ Henry W. Sanicola Jr./ Frank Sinatra) (3:33)
Gravadora: Capitol
Produção: Voyle Gilmore
Duração: 49 minutos
Estúdio: KHJ (Estados Unidos)
Frank Sinatra: vocal
Nelson Riddle: arranjo e condutor da orquestra
Orquestra da Capitol: instrumentos diversos
John Palladino: engenheiro de som
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