Crítica: Lucy Dacus - Forever Is a Feeling
Cantora é a primeira do projeto Boygenius a lançar novo disco, sucessor de "Home Video"
Ser artista independente, como tudo na vida, tem seus prós e contras. A inegociável liberdade é uma das coisas favoráveis, principalmente em um meio no qual a contabilidade e o marketing mandam cada vez mais em detrimento da arte. Os contras vão da falta de dinheiro e turnês em vans apertadas, entre outras coisas. Em uma crescente na carreira solo e vinda do ótimo “Home Video” (2021), Lucy Dacus, ao lado das companheiras Phoebe Bridgers e Julien Baker, fez um tremendo sucesso em 2024 com o grupo Boygenius. Após o fim da turnê e das atividades do trio, ela é a primeira a lançar um novo disco solo com uma novidade e tanto.
“Forever Is a Feeling” marca a saída dela da gravadora Matador após quase uma década para soltar o primeiro disco pela Geffen, um selo muito maior. Talvez a responsabilidade embutida nisso tenha feito a cantora ir atrás de Blake Mills, renomado produtor que trabalhou recentemente com Michelle Zauner no retorno do projeto musical Japanese Breakfast, para encorpar mais o som e explorar novas possibilidades musicais. A instrumental “Calliope Prelude” abre o álbum de maneira calma e com um bonito arranjo de cordas, um prenúncio do que está por vir.
O tema amor é o ponto central do trabalho, seja as consequências da paixão ou de como o término pode machucar. Mas o disco começa com a agridoce “Big Deal”, um equilíbrio entre esses dois momentos, que traz a dúvida entre dar ou não o primeiro passo para se declarar. É inegável: a voz de Dacus é muito bonita e ela sabe como explorá-la nesse primeiro momento ao lado de “Ankles” e de “Talk”, canções com um grande gancho pop que deixa a letra grudada na cabeça por dias a fio — uma qualidade e tanto, apesar de soar tudo muito meloso.
Ao entrarmos de cabeça na intimidade da cantora, porque o disco soa muito como um diário musicado, temos muito drama também. “Limerence”, com o piano e as cordas, é bem carregado nesse aspecto e é uma coisa meio enjoada, soando quase uma novela mexicana. É a partir disso que Dacus fica entre esse exagero melodramático dos arranjos com boas músicas, caso da boa “Modigliani” (“Why does it feel significant?/ Why do I have to tell you about it?/ Trying to fall asleep, back flat on the floor/ While you were eating continental breakfast in Singapore/ You make me homesick for places I’ve never been before/ How’d you do that?/ How’s tomorrow so far?”), até o final da primeira parte.
Quando ela usa elementos mais simples, como só o violão na segunda metade, as canções dramáticas ganham peso por conta da interpretação. “For Keeps” e “Come Out” são duas ótimas desse jeito, sem exageros ou elementos que distraem das letras. Já a faixa-título consegue brincar melhor com as escolhas dos instrumentos ao funcionar quase como um sonho ao usar elementos lúdicos para colocar o ouvinte nessa situação, um ponto positivo. E se ela abre o coração pela primeira vez em “Best Guess”, quando se declara de vez para Julien Baker, Hozier domina “Bullseye” a partir do momento em que ele entra.
“Most Wanted Man” é diretamente para Baker, brincando com o fato de ela ser procurada como um cartaz no Velho Oeste. O álbum encerra com a comovente “Lost Time”, na qual o amor e desejo de misturam em uma letra brutalmente honesta (“'Cause I love you, and every day/ That I knew and didn't say/ Is lost time/ Now I'm knocking down your door/ 'Cause I'm trying to make up for/ Lost time”).
A primeira parte de “Forever Is a Feeling” é melosa, exagerada e passa muito do ponto, enquanto a segunda é melhor por ser mais simples e explorar mais os instrumentos e a voz de Dacus em um conjunto, valorizando cada um no momento certo. Talvez o fato de tanta gente na produção no álbum ajudou a criar esse desequilíbrio entre as duas partes em um passo além do ideal na mudança de gravadora. É um bom disco, mas a mão pesada em determinados aspectos colabora para deixar algumas faixas com aquele gosto de comer algo exageradamente doce.
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Tracklist:
1 - “Calliope Prelude”
2 - “Big Deal”
3 - “Ankles”
4 - “Limerence”
5 - “Modigliani”
6 - “Talk”
7 - “For Keeps”
8 - “Forever Is a Feeling”
9 - “Come Out”
10 - “Best Guess”
11 - “Bullseye” (with Hozier)
12 - “Most Wanted Man”
13 - “Lost Time”
Avaliação: bom
Gravadora: Geffen
Produção: Lucy Dacus, Melina Duterte, Jake Finch, Andrew Lappin, Blake Mills, Collin Pastore e Bartees Strange
Duração: 43 minutos
Lucy Dacus: vocal, violão (faixas 2, 6, 9 e 11), sintetizador (faixas 8 e 10), percussão (faixas 8) e celesta (faixas 10); engenheira de som (faixa 13)
Phoenix Rousiamanis: violino (faixas 1 a 4 e 6), piano (faixas 4 e 8); celesta, piano infantil (faixa 9); harmônio (faixa 12)
Blake Mills: violão (faixas 2, 3, 6, 7, 9 e 13), baixo fretless (faixas 2, 5, 6 e 11), piano (2 e 5), gamelão (faixa 2), guitarra (faixas 3, 5, 6 e 12), sintetizador (faixas 5, 6 e 11 a 13), baixo (5, 8, 9 e 12), synth bass (faixas 6, 12 e 13), violão tenor (faixa 6); bateria, baixo Moog (faixas 11 e 13); gaita, teclado e efeitos (faixa 11)
Jake Finch: bateria (faixas 2, 3, 5, 6, 8, 12 e 13), baixo (faixas 2, 3, 12 e 13), violão (2, 3 e 13), synth bass (faixa 2), violocelo (faixa 3), sintetizador (faixas 6, 8 e 13), cordas (faixa 6), baixo Moog (faixas 8 e 13), percussão (faixas 9 e 13); guitarra, bandolim e piano (faixa 13); engenheiro de som (faixas 2, 3, 5, 6 e 13)
Abe Rounds: bateria (faixas 3, 5, 6, 11 e 12) e percussão (faixas 9 e 12)
Karl McComas-Reichl: violoncelo (faixas 3 e 6)
Phoebe Bridgers: vocal (faixas 5 e 8)
Julien Baker: vocal de apoio (faixa 6) e vocal (faixas 8 e 12)
Collin Pastore: guitarra pedal steel (faixas 6 e 13) e piano (faixas 6); engenheiro de som (faixas 2, 3, 5, 6, 8, 9, 12 e 13)
Ted Poor: gamelão (faixa 8), bateria (faixas 9, 11 e 12) e percussão (faixa 12)
Hannah Kim: harpa (faixas 8 e 9)
Madison Cunningham: violão (faixas 8, 10) e guitarra (faixa 10)
Bartees Strange: bateria, piano, sintetizador (faixa 8); triangulo (faixa 10); engenheiro de som (faixas 3 e 10)
Andrew Lappin: bateria eletrônica (faixa 8); chocalho e pandeireta (faixa 10); engenheiro de som (faixas 2, 3, 5, 8 a 10 e 13)
Melina Duterte: bateria eletrônica, sintetizador (faixa 8); baixo (faixa 10)
Chloe Saavedra: bateria (faixa 10)
Benny Bock: Mellotron e sintetezador (faixa 10)
Andrew Hozier-Byrne: vocal (faixa 11)
Ruairi O'Flaherty: masterização
Lars Stalfors: mixagem
Will Maclellan: engenheiro de som (faixas 1, 2, 4 a 6, 8, 9, 12 e 13)
Preston Cochran: engenheiro de som (faixas 2, 3, 5, 6, 8, 12 e 13)
Joseph Lorge: engenheiro de som (faixas 2 e 3)
David Boucher: engenheiro de som (faixas 3, 5, 6 a 9 e 11 a 13)
Michael O'Brien: engenheiro de som (faixa 11)
Hamish Patrick: mixagem adicional
Pat McCaul: engenheiro de som adicional (faixa 11)
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