Crítica: Japanese Breakfast - For Melancholy Brunettes (& Sad Women)
Michelle Zauner retoma projeto musical após sucesso de "Aos Prantos no Mercado"
A vida de Michelle Zauner mudou complemente ao perder a mãe há mais de uma década. Para muitos, poderia ser o golpe definitivo em qualquer realização de um sonho, mas, como por um milagre, a carreira musical dela decolou ao deixar o grupo Little Big League para fundar o projeto pessoal Japanese Breakfast. A carreira caminhava relativamente bem no circuito indie ao cultivar fãs e ter o suficiente para não depender mais de empregos em horário comercial. Então veio “Aos Prantos no Mercado”.
O livro, no Brasil lançado pela Fósforo, traz um relato brutalmente honesto sobre os últimos dias de convivência entre mãe e filha, o início do fim da relação com pai e como a busca por uma identidade pode ou não definir quem você é através da cultura, comida e todos os elementos únicos de cada família. O trabalho explodiu e transformou Zauner em uma escritora de tanto sucesso a ponto de ela conseguir tirar um ano sabático na Coreia do Sul para aprender a língua materna. Mas estava na hora de retornar ao mundo da música e “For Melancholy Brunettes (& Sad Women)” chega em ótima hora, com ela ainda colhendo os frutos da fama e refletindo sobre esse turbilhão que tomou conta da vida dela.
Diferentemente dos outros álbuns, feitos de forma independente e meio do jeito que dava, o quarto álbum de estúdio ganhou um aporte financeiro maior ao contar com a produção de Blake Mills, que trabalhou com Fiona Apple, Perfume Genius, Bob Dylan, Feist e Beck, além de um estúdio melhor (Sound City, em Los Angeles), equipamentos melhores e chance de colocar arranjos de cordas e outros instrumentos que encorpam mais o som. O resultado, nesse aspecto, já é melhor do que os anteriores.
Um dos méritos de Zauner como compositora é conseguir condensar pensamentos e histórias em canções curtas e diretas. A melancólica “Here Is Someone” abre o disco com ela questionando a própria fama e buscando o equilíbrio de uma vida tranquila em meio a ser uma pessoa famosa (“Quietly dreaming of slower days/ But I don't want to let you down/ We've come so far/ Can you see a life where we leave this behind?”). Ainda no tema, a reimaginação melancólica sobre a tentação de encontrar uma sereia encantada e o que fazer com relação a isso faz de “Orlando in Love” quase um curto ensaio sobre como o poder finito da fama pode ser perigoso e destruidor, enquanto “Little Girl” se apoia em lembranças de Zauner de si e imaginar como estaria o pai após tanto tempo sem falar com ele. E um contato entre ele acontece, retratada na emocionante “Leda” (“The ocean in view/ I'm thinking of all the Grecian Gods/ The men they all played to get what they want/ A crashing of waves/ A sculpture of Leda and the swan/ You wait, you wait, you wait”).
O tom mais pessoal segue em “Honey Water”, essa mais simples do que as anteriores e clara na mensagem sobre deixar partir uma pessoa sem qualquer senso de moralidade, que faz da letra de “Mega Circuit”, a continuação desse relato sem esperança do comportamento de uma nova geração de homens. E se o fatalismo toma conta dos pensamentos mais profundos da cantora em “Picture Window”, o dueto com Jeff Bridges em “Men in Bars” traz o contraste de duas vozes tão diferentes que combinaram tão bem.
“Winter in LA” traz Zauner falando diretamente ao marido: como seria se você fosse casado com uma mulher mais solar e menos complicada emocionalmente? Ela zanza por momentos inexistentes de uma memória criada pela ansiedade em querer ser menos o que é e mais um sonho. E “Magic Mountain” encerra o disco com o lúdico retirado diretamente das profundezas da alma, sonhando uma vida mais tranquila (“Playing king, playing bride/ Blooming in my leisure, slipping hours left uncounted/ You and me, and soon ours/ Bury me beside you in the shadow of my mountain”).
Cada álbum de Japanese Breakfast tem um apelo diferente por vários aspectos, mas todo têm algo em comum: Michelle Zauner mostra profundidade e reflete sobre si de uma maneira única. “For Melancholy Brunettes (& Sad Women)” é o salto que nove entre dez artistas independentes sonham dar e esbarram em diversas coisas para não acontecer. Pois Zauner aconteceu e agora colhe os frutos de 15 anos esforço.
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Tracklist:
1 - “Here Is Someone”
2 - “Orlando in Love”
3 - “Honey Water”
4 - “Mega Circuit”
5 - “Little Girl”
6 - “Leda”
7 - “Picture Window”
8 - “Men in Bars” (feat. Jeff Bridges)
9 - “Winter in LA”
10 - “Magic Mountain”
Avaliação: ótimo
Gravadora: Dead Oceans
Produção: Blake Mills
Duração: 32 minutos
Michelle Zauner: vocal e gamelão; sintetizador (faixas 1, 6 e 8); bandolim (faixa 1); guitarra (faixas 2 a 5, 7 e 10); arranjos (faixa 2); piano (faixas 3 a 5); castanholas (faixa 9)
Blake Mills: mixagem, engenheiro de som, guitarra, gamelão; percussão (faixas 1 a 6 e 9); sintetizadores (1 a 3, 5 a 10); piano (1, 4, 5 e 10); baixo (faixas 3, 4, 7 e 9); bandolim e órgão (faixa 3)
Adam Schatz: saxofone (faixa 1, 3 a 9)
Dory Bavarsky: piano Wurlitzer (faixas 1 e 9); piano (8 e 9)
Alam Khan: guitarra (faixa 1)
Joseph Lorge: órgão (faixa 1)
Karl McComas-Reichl: baixo (faixas 2, 6 e 8); violoncelo (2, 9 e 10)
Lauren Baba: viola e violino (faixa 2 e 9)
Matt Chamberlain: bateria (faixas 3 e 7)
Jim Keltner: bateria (faixa 4)
Craig Hendrix: címbalos e percussão(faixa 7); bateria (faixas 8 e 9)
Jeff Bridges: vocal em “Men in Bars”
Joseph Lorge: mixagem e engenheiro de som
Patricia Sullivan: masterização
Sebastian Reunert: engenheiro de som
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Essa resenha me deu vontade de dar uma nova chance ao disco, que, até agora, foi o que menos gostei da Michelle. Você certamente captou nuances que passaram despercebidas por mim numa escuta mais superficial 😅