In-Edit Brasil, dia 9: histórias de um Brasil brasileiro
Críticas de “Os Afro-sambas: O Brasil de Baden e Vinicius”, “As Dores do Mundo: Hyldon” e “Brasiliana - O Musical Negro Que Apresentou O Brasil Ao Mundo”
“Os Afro-sambas: O Brasil de Baden e Vinicius” (2024, Emílio Domingos)
“Os Afro-Sambas de Baden e Vinicius”, lançado em 1966, é um dos discos mais importantes da música brasileira por ser um dos primeiros trabalhos com alguma repercussão a falar abertamente do candomblé e das raízes africanas brasileiras, sendo uma inspiração até hoje para muitas pessoas fazerem o mesmo. Dirigido por Emílio Domingos, “Os Afro-sambas: O Brasil de Baden e Vinicius” passa a limpo a criação do álbum.
O primeiro ponto positivo é a boa edição centrar na história do trabalho, sem se perder na proposta em nenhum momento; segundo, os depoimentos trazem sempre alguém com algo a dizer e com relevância no tema; por fim, o tempo é ideal para cobrir os principais aspectos da colaboração entre Baden Powell e Vinicius de Moraes.
Isso posto, que delícia foi ter a chance de vê-lo no cinema. Produção com data de estreia no (HBO) Max marcada para o dia 24, é um desses documentários adorados por qualquer nerd musical. Além de alguns contemporâneos de Baden e Vinicius, como Maria Bethânia, Marcos Valle, Roberto Menescal, Jards Macalé e Nelson Motta, temos especialistas e os familiares sempre com algum complemento importante para narrativa.
As histórias são ótimas, sempre partindo do início: Vinicius como um dos integrantes da Bossa Nova e Baden ainda um iniciante no violão, com tremendo potencial e sempre estudando com os melhores da época — sem spoilers para vocês descobrirem quem são eles. O primeiro encontro entre os dois foi exatamente como todos os outros: com uísque, muito papo e trabalho até de manhã. Acabou sendo um pulo para a amizade virar colaboração e nascer esse álbum tão importante, que levou o Poetinha a entrar no candomblé.
Com a produção de documentários musicais maior e melhor, o investimento também aumenta e gera trabalhos como “Os Afro-sambas: O Brasil de Baden e Vinicius”, um dos melhores que vi no ano com sobras. Um belo disco merecia um registro assim, respeitoso, bem pesquisado, bem editado e acima da média.
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“As Dores do Mundo: Hyldon” (2025, Emílio Domingos e Felipe David Rodrigues)
Um dos melhores discos brasileiros dos anos 1970, “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda”, de Hyldon, faz 50 anos e merece todas as homenagens possíveis ao longo de todo ano. A primeira de muitas (assim espero) é a do documentário “As Dores do Mundo: Hyldon”, dirigido por Emílio Domingos (sim, é o mesmo diretor do “Afro-sambas”) e Felipe David Rodrigues.
Ao apostar em uma edição simples e caprichada para contar da vida de Hyldon em ordem cronológica, o longa consegue prender atenção ao falar de como ele nasceu Bahia, foi para o Rio de Janeiro muito jovem, cresceu com música e se apaixonou pelo rock. Com um talento acima da média, rapidamente entrou em bandas e virou um músico de estúdio requisitado com ótimas músicas.
O trabalho não deixa passar a crescente cena de soul music, com Tim Maia e Cassiano sendo os outros expoentes no Brasil, fundamental para Hyldon se inspirar e crescer musicalmente. E o longa, através dos depoimentos de quem esteve lá e do próprio músico, não escondem como ele sempre foi teimoso e poderia ter ido muito mais longe se tivesse a cabeça um pouco mais no lugar.
Mas, talvez, se não agisse como agiu, “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda” não teria saído como saiu: inspirado pelas dores e amores de Hyldon ao longo de toda vida. Romântico incurável, desabafou sobre si em canções como “Na Sombra de Uma Árvore”, “Vamos Passear de Bicicleta”, “Acontecimento”, “As Dores do Mundo”, “Sábado e Domingo” e a faixa-título, todos singles de sucesso na época do lançamento do LP.
Focado na história de vida de Hyldon até a criação de um clássico da música brasileira, “As Dores do Mundo: Hyldon” aposta no capricho e na simplicidade para contar como um grande álbum foi feito.
“Brasiliana - O Musical Negro Que Apresentou O Brasil Ao Mundo” (2024, Joel Zito Araújo)
Imagine só isso: um musical brasileiro, com 30 integrantes, rodando a Europa no início dos anos 1950 para contar a história do Brasil. Se você não sabia disso, tudo bem, eu também não. Com direção de Joel Zito Araújo, “Brasiliana - O Musical Negro Que Apresentou O Brasil Ao Mundo” conta algo impressionante que pouquíssima gente conhece — uma vergonha para todos nós.
Criado por um imigrante polonês e com uma série de craques no elenco, entre eles o grande Haroldo Costa, o musical Brasiliana foi um sucesso ao longo dos quase 30 anos, graças aos dançarinos, que enriquecem o longa com depoimentos de como ganharam uma oportunidade para conhecer o mundo — há histórias engraçadíssimas de namorados e namoradas até expulsões de hotéis pelos mais diversos motivos.
As imagens de arquivo, sempre internacionais, são um gosto amargo de como a companhia nunca foi reconhecida como algo grande na terra natal. Outra tristeza também é notar como os dançarinos hoje são pessoas humildes, entre a maioria dos entrevistados, e sem a fama da juventude, reflexo de um Brasil fã do novo e com desprezo pela história. Mas o ponto positivo é deixar os personagens soltos para falar e não se aprofundar em questões que poderiam ocupar um tempo desnecessário sem qualquer conclusão mais objetiva.
Como tudo, o musical evoluiu, virou outra coisa chamada Brasil Tropical e acabou sendo superado por outras novidades. O legado acabou sendo muito mais algo individual para quem esteve lá e aproveitou a chance, para aprender a disciplina do trabalho ou a chance de morar quatro ou cinco anos fora do Brasil, do que algo parte da cultura brasileira ou um exemplo a ser seguido.
Se o nome do documentário é “Brasiliana - O Musical Negro Que Apresentou O Brasil Ao Mundo”, Joel Zito Araújo fez o favor, com ajuda de um elogiável trabalho de pesquisa, de apresentar essa história tão brasileira a mais brasileiros. Fico na torcida para mais gente assistir e aprender um pouco mais sobre esse momento tão importante.
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