In-Edit Brasil, dia 8: pandemia e desperdício
Crítica de “O Ano Em Que O Frevo Não Foi Pra Rua” e “Leci”
“O Ano Em Que O Frevo Não Foi Pra Rua” (2024, Bruno Mazzoco & Mariana Soares)
A pandemia foi uma das piores coisas recentes na história da humanidade, porque é uma das poucas coisas em que todo Mundo ficou parado pela doença que matou milhões de pessoas. As festas brasileiras também foram afetadas profundamente com a paralisação das atividades, e uma delas foi o carnaval em Recife e Olinda por dois anos seguidos. Em “O Ano Em Que O Frevo Não Foi Pra Rua”, Bruno Mazzoco e Mariana Soares pegam alguns personagens para falar das ruas vazias e da saudade de festejar sem hora para acabar.
O uso do preto e branco para retratar esse momento melancólico pega o espectador pela emoção, sendo praticamente impossível não se emocionar ao ver as pessoas relembrando com saudade de todo trabalho e satisfação em ser um pontinho que ajuda a fazer do carnaval algo gigantesco. Os personagens, cada um a seu modo, mostram como a festa depende dessa cadeia de acordos em que cada um fará sua parte — fantasiado ou organizando.
O documentário tem bom gosto ao abordar a ausência e espera de maneira serena e, principalmente, sem forçar o choro. Também é importante entender e não julgar o amor dessas pessoas pelo carnaval, evento que aguardam com ansiedade ao longo de todo ano. É o momento deles, da mais pura e genuína felicidade, tirado da maneira mais cruel possível — um dos pontos altos é a história de como o carnaval foi criado ali, logo depois da pandemia do início do século XX.
Após dois anos, o carnaval retorna com tudo e sai o preto e branco para entrar o colorido, um símbolo de como a vida voltou a ter um vislumbre de esperança depois das dores causadas pela COVID-19. Alguns personagens não estão mais entre nós, mas a festa continua como uma homenagem a essas pessoas que fincaram as bases para o carnaval de Recife ser um dos melhores do Brasil.
“O Ano Em Que O Frevo Não Foi Pra Rua” emociona e mostra como a pandemia tirou muito mais das pessoas do que qualquer um pode imaginar e recomeçar é fundamental para preservar esse legado tão importante para uma cidade inteira.
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“Leci” (2025, Anderson Lima)
Leci Brandão é uma mulher negra que saiu de uma condição desfavorável na vida para chegar ao topo, na música e na política, após anos na luta para ajudar as minorias. Não tem como não ficar impressionado com ela, principalmente ao saber que, desde cedo, sempre defendeu essas pessoas — mesmo perdendo prestígio ao longo dos anos. Infelizmente, “Leci”, dirigido por Anderson Lima, é muito bagunçado e não faz jus a essa personagem incrível do Brasil.
O documentário não tem um foco claro em qual lado abordar e reveza entre depoimentos sobre a carreira política e a música. A falta de fluidez atrapalha muito o andamento, com causos indo e vindo, em um desperdício terrível de ótimos personagens. Não conseguir aproveitar Beth Carvalho (1946-2019), Martinho da Vila, Alcione, Zeca Pagodinho e entre outros, acaba deixando o trabalho ainda pobre, com uma edição perdida e números musicais sem sentido.
Desorganizado e com um roteiro muito ruim, “Leci” quis ser dois documentários em um, não entregou nenhum e só vale mesmo pelos depoimentos e pela faísca de quando a cantora contou um pouco do início da carreira e da própria vida, algo que ela nunca falou tão abertamente. Uma pena que não souberam aproveitar isso para fazer algo de teor histórico sobre como poucos negros conseguem ter tanto prestígio em uma profissão e levá-la para outra, sendo a primeira deputada negra na Câmara de São Paulo em mais de quatro décadas. A palavra decepcionante é pouco para falar desse longa.
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