In-Edit Brasil, dia 6: sertanejo, homenagem e resgate
Críticas de “Dino Franco, A Raiz Do Sertanejo”, “Toquinho Maravilhoso” e “Any Other Way: The Jackie Shane Story”
“Dino Franco, A Raiz Do Sertanejo” (2025, João Francisco Cunha)
Um dos grandes nomes da primeira leva da música sertaneja a fazer sucesso no Brasil, Dino Franco morreu em 2014, e começa a passar pelo processo de esquecimento devido ao envelhecimento dos fãs e quem conviveu com ele. O diretor João Francisco Cunha resgata esse ícone no irregular “Dino Franco, A Raiz Do Sertanejo”.
O documentário tem boas intenções ao falar de um grande e importante personagem, que fez muito para música como cantor, compositor e produtor, mas, infelizmente, é muito bagunçado. Um exemplo gritante é o encerramento com dois números musicais, sendo o último com o som tão ruim, que não consegui entender nada — e olha que o som da sala Olido não é incrível, mas atende bem o espectador.
Vale muito mais pelos depoimentos e causos contados por quem conviveu com Franco ao longo dos anos, principalmente no âmbito profissional — alguns são engraçados, outros só comprovam como ele era acima da média dentro e fora do estúdio. Tomara que, um dia, ele ganhe um longa melhor para apresentar a mais gente alguém tão importante.
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“Toquinho Maravilhoso” (2024, Alejandro Berger Parrado)
Muitas vezes, um documentário não surge como algo para ser um trabalho de destrinchar um personagem com as coisas boas e ruins, mas apenas uma grande homenagem a alguém que merece os louros e reverência do público. É o caso de “Toquinho Maravilhoso”, dirigido por Alejandro Berger Parrado, que acompanha o músico em algumas apresentações em cidades pelo mundo.
Com depoimentos de Maria Bethânia, Gilberto Gil, Roberto Menescal, do irmão e de outras pessoas que trabalharam ou trabalham com ele, o longa trata da vida do cantor em ordem cronológica, sem pressa e com muito bom gosto ao longo de pouco mais de uma hora. E não, não há contraponto, críticas e nada assim. É Toquinho cantando e falando da infância privilegiada, de como entrou na música muito cedo, como aprendeu a tocar violão (uma necessidade para tentar aliviar a pressão nos estudos) e como se tornou esse artista reverenciado no Uruguai e na Itália (ele toca para plateias lotadas).
Bem filmado, com imagens de arquivo e com um personagem principal solto, “Toquinho Maravilhoso” mostra alguém ciente da vida que teve e dos próprios desejos em continuar no palco até quando aguentar. Nem sempre um documentário precisa ser agressivo ou revelador, mas apenas um registro feliz em uma bonita reverência a alguém que segue fazendo o que ama.
“Any Other Way: The Jackie Shane Story” (2024, Michael Mabbott e Lucah Rosenberg-Lee)
Imagine só: uma cantora queer que recebe convites para gravar discos, se apresentar nos principais programas de TV dos Estados Unidos, ter uma carreira longeva e simplesmente desaparece sem deixar nenhum rastro. Por mais pesquisas e buscas, ninguém sabe onde ela se enfiou. Até que um dia tudo se revela não apenas para quem estava procurando, mas para parentes que nem sabiam da existência dela. Esse é “Any Other Way: The Jackie Shane Story”.
Jackie Shane nasceu no Tennessee, no Sul dos Estados Unidos, e já sofreria preconceito por ser um menino negro no auge da Jim Crow (as leis de segregação que perduraram oficialmente até os anos 1960 e seguem não oficialmente até hoje). Tudo ficou ainda mais difícil quando ele usava bolsa e não escondia os trejeitos femininos quando atuava no coral da igreja com os adultos ainda no início da adolescência, uma prova cabal do talento precoce. Ao assumir o nome Jackie, foi defendido pela mãe adotiva (na verdade, a tia) e pela avó, mas logo viu que o lugar dela não era ali. E partiu primeiro para um circo, depois para Toronto, no Canadá, onde conseguiu relativo sucesso com a música “Any Other Way”. Nove em cada dez pessoas achavam que nascia uma nova cantora pronta para o estrelato.
Ela encarou todos os desafios de frente e nunca se rendeu quando jovem, sempre pronta para desafiar qualquer um que a impedisse de cantar ou falasse do estilo de vida. Nos poucos registros existentes, Shane soa corajosa, imponente e, acima de tudo, livre para ser quem queria. O palco foi um terreno fértil e as oportunidades surgiram. Entretanto, ela recusou uma por uma ao saber que, de alguma maneira, seria podada por alguém. Isso nunca. Ainda nos anos 1970, abandonou a carreira, fez a cirurgia para redesignação sexual e foi morar em Los Angeles com um namorado, que logo a abandonou. Assim, voltou para casa para cuidar da mãe de criação, da mãe adotiva e do homem que abusou dela. Foi o ponto final de uma carreira com tudo para ser brilhante.
Michael Mabbott e Lucah Rosenberg-Lee faz uma opção respeitosa ao não usar a palavra “menino” para defini-la na infância, porém usam de maneira um pouco exagerada a recriação de uma conversa telefônica com um biógrafo (em forma de animação com ajuda da artista drag Makayla Couture) para falar de uma vida cheia de luta, poucas vitórias, muitas decepções e o esquecimento — sobrinhas nem sabiam dela, sendo apresentadas a tia da maneira mais cruel possível.
“Any Other Way: The Jackie Shane Story” apresenta ao mundo uma artista forte e uma lutadora do primeiro ao último minuto de vida. Reconhecida tardiamente como um símbolo da comunidade trans e uma das primeiras artistas queer a entrar na parada de sucesso, Shane lançou apenas alguns singles e o imponente álbum ao vivo simplesmente chamado ‘Live”, disponível graças ao desejo nunca realizado de retomar aos palcos. Bonito, forte e melancólico a ponto de encher os olhos de lágrimas, o documentário merece ser visto para ver como o resgate de determinados personagens é justo e necessário para mostrar que todo lado merece ser visto e ouvido sem preconceito.
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