In-Edit Brasil, dia 7: os anos 90 foram incríveis
Críticas de “Anos 90 - A Explosão Do Pagode” e “We Are Fugazi, From Washington DC”
“Anos 90 - A Explosão Do Pagode” (2025, Emílio Domingos & Rafael Boucinha)
A expressão “só quem viveu sabe” é muito usada atualmente sobre qualquer coisa do passado, principalmente para falar às novas gerações de como eram as coisas. Em meados dos anos 1990, o Brasil era tetracampeão mundial de futebol, a inflação estava controlada e existia todo um novo mercado consumidor pronto para satisfazer os próprios desejos na primeira geração pós-ditadura. É nisso que entra a geração formada por Negritude Jr., Exaltasamba, Molejo, Soweto, Só Pra Contrariar e outros tantos de sucesso no período, retratados em “Anos 90 - A Explosão Do Pagode”.
O início do longa dirigido por Emílio Domingos e Rafael Boucinha começa muito bem ao contextualizar a influência do Fundo de Quintal e do Chic Show na formação daquelas crianças e adolescentes das regiões carentes em São Paulo. Ir aos eventos era a grande atividade cultural realizada por eles para dançar, cantar e aprender a toca algum instrumento. Então, tudo aconteceu muito rápido quando os anos 1980 acabaram e a nova década começou, com a criação de selos para abrigar todos esses talentos prontos para explodir.
Os depoimentos dos envolvidos na época esclarecem como tudo aconteceu, em uma dessas chances surgidas uma vez na vida. Com os vinis nas mãos para distribuir e o apoio de um programa de rádio de sucesso, rapidamente a pequena fagulha virou uma explosão. Quadras lotadas, loucuras, dinheiro, fama, propostas de gravadoras internacionais e tudo que eles tinham direito. Chrigor, Netinho, Salgadinho, Marcio Art e outros fora jogados no furacão da fama sem o menor preparo psicológico e financeiro. Eram homens milionários e recém-saídos da adolescência, em resumo.
As histórias são deliciosas e trazem um sentimento enorme de nostalgia, principalmente para quem viveu aquilo tudo — como morador da periferia, é meu caso. Uma pena que há um espaço exageradamente grande para Thiaguinho divulgar o Tardezinha (uma parte laudatória e enfadonha, uma quebra terrível de ritmo) e tão pouco para Eliana de Lima, que aparece apenas no início do documentário, some e não volta mais. Ainda bem que os depoimentos de Ludmilla (um pouco menos) e de Gloria Groove (surpreendentemente legal pelo fato de a mãe ter sido vocal de apoio do Raça Negra) surgem bem para mostrar o lado feminino. E, no final, o tom de especial da Globo ganha espaço e toda aquela força do início se esvai.
O pagode nos anos 1990 foi um verdadeiro fenômeno de público e mídia, com os grupos aparecendo o tempo inteiro e gerando coisas boas para os envolvidos. Brigas, egos e a pirataria, assunto sem o aprofundamento necessário, acabaram por minar carreiras e bandas no início dos anos 2000. Mas, como o próprio trabalho celebra, algumas músicas são inesquecíveis e sobrevivem até hoje. Apesar de algumas questões, “Anos 90 - A Explosão Do Pagode” funciona bem para relembrar um período especial.
Assine
Por apenas R$ 5 por mês ou R$ 50 no plano anual, você ajuda a manter o trabalho por aqui e fortalece o jornalismo independente, porque o algoritmo do Google e a inteligência artificial, em outras palavras, estão f*dendo meu trabalho no site. E sem dinheiro, o trabalho por aqui fica inviável.
“We Are Fugazi, From Washington DC” (2023, Joseph Pattisall, Joe Gross & Jeff Krulik)
Uma das bandas mais influentes nos anos 1990 foi o Fugazi e não apenas pelo som feito, mas também pela força em não ceder em nenhum centímetro aos mais poderosos. Com isso, eles viraram um dos símbolos do “faça você mesmo”, com vários filhos por aí. Sem qualquer atividade nos últimos 22 anos, chegou a hora de celebrar o legado com o lançamento de uma série de apresentações ao vivo nunca disponibilizadas antes. E é esse pedaço da história contado em “We Are Fugazi, From Washington DC”.
A beleza do filme dirigido por Joseph Pattisall, Joe Gross e Jeff Krulik está em como foi feito: uma espécie de coletânea de alguns dos melhores momentos de diversas apresentações realizadas entre 1989 e 2003, sempre filmadas por fãs muito jovens na época, com todos os problemas e maravilhas de tocar em lugares pequenos e sempre prontos para dar o melhor de si ao satisfazer todos os presentes. As imagens variam e captam o essencial, com uma ou outra montagem melhorzinha.
Intercalando depoimentos de quem filmou, com entrevistas da época e mostrando um gráfico dos lugares das apresentações e quanto dinheiro a banda arrecadou para as mais diversas causas, o documentário é uma homenagem a uma banda que poderia ter escolhido o caminho da fama e optou pelos próprios princípios. Ninguém ficou rico, mas existem coisas muito mais satisfatórias do que um saco de dinheiro e poder. Só por isso, a existência do Fugazi já valeu por outras centenas de bandas famosas.
Veja também:
In-Edit Brasil, dia 6: sertanejo, homenagem e resgate
“Dino Franco, A Raiz Do Sertanejo” (2025, João Francisco Cunha)
In-Edit Brasil, dia 5: dias de luta, dias de glória
“Ave Sangria, A Banda Que Não Acabou” (2025, João Cintra e Mônica Lapa)
Gostou do meu trabalho? Mande a newsletter para um amigo e compartilhe nas redes sociais e nos grupos de Whatsapp e Telegram!
Bom final de semana a todos!