Lorde lançou o excelente “Pure Heroine” e, rapidamente, entrou no furacão da fama ainda sendo uma adolescente morando na Nova Zelândia. Se para quem estava de fora e apenas curtindo o disco era difícil ver como ela foi catapultada para fama, não deve ter sido muito fácil para jovem cantora amadurecer em meio a tudo isso. Mas seguir era o único caminho e assim foi, com mais dois trabalhos de estúdio (o bom “Melodrama” e o irregular “Solar Power”).
Desde o último, aliás, ela deu mostras de saber o que fazer com essa tal liberdade em fotos de divulgação ousadas e uma capa inesquecível para muitas pessoas. Quatro anos depois, ela dobrou a aposta em outra capa bastante chamativa para “Virgin”, quarto trabalho da carreira, início de uma nova fase da adulta Lorde.
Talvez influenciada pelas colegas Billie Eilish, Charli XCX e Chappell Roan, a compositora dobrou a aposta nas letras e no estilo. Sai o produtor de Taylor Swifft Jack Antonoff e entra o DJ Jim-E Stack, que ajudou a transformar o repertório em algo tanto para ouvir nas pistas de dança quanto nos fones de ouvido. “Hammer” abre o disco e mostra a força dos sintetizadores logo de cara e “What Was That” mostra ser uma escolha acertada para ser single pelo estilo grudento e refrão contagiante ao celebrar a liberdade e saber que os últimos tempos foram confusos.
Toda melodia de “Shapeshifter” foi escrita antes da letra, então encaixar a própria validação perante o mundo e o sentimento de fim de relacionamento foram exercícios quase terapêuticos ao abordar esses momentos difíceis de maneiras diferentes na música. E “Man of the Year” traz a libertação dela com relação a ter ou não um gênero pré-definido pela sociedade em uma música melancólica de como romper esse laço não é fácil e exige muito em todos os aspectos.
Se a autobiográfica “Favourite Daughter” de ótimo refrão traz a ela tentando equilibrar a aprovação da mãe com a carreira cheia de compromissos, “Current Affairs” e “GRWM” exploram o sexo como Lorde nunca havia feito antes em nenhum dos trabalhos anteriores e o resultado disso está na seguinte, “Clearblue”, quando o transar sem proteção vira um problema ao fazer um teste de gravidez (“After the ecstasy, testing for pregnancy, praying in MP3/ I'm scared to let you see into the whole machine, leave it all on the field/ Your metal detector hits my precious treasure, I'm nobody's daughter/ Yeah, baby, I'm free, I'm free/ Free, I'm free”).
Mas é na dramática “Broken Glass” que a fragilidade é mostrada nua e crua ao falar abertamente do transtorno alimentar que iniciado na pandemia e ainda um problema de saúde sério até pouco tempo atrás. Dá para perceber uma cantora agoniada e menos solar do que nas anteriores, reflexo desse assunto muito delicado e triste. E ela reflete sobre si na potente “If She Could See Me Now” e constrói um clímax em “David”, o resultado de todos os pensamentos, decisões e vivências do repertório até ali (“Said, ‘Why do we run to thе ones we do?’/ I don't belong to anyone, ooh/ I made you God 'cause it was all/ That I knew how to do/ But I don't belong to anyone [Ooh]”).
Entre um disco e outro, Lorde passou por poucas e boas pessoalmente e o reflexo disso estava no repertório, um tanto confuso e sem um direcionamento. Talvez, como tantos outros artistas, ela não consiga repetir a força do primeiro álbum pelo momento diferente e por estar mais madura, mas é inegável que “Virgin” é uma luz com bons momentos para o futuro.
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Tracklist:
1 - “Hammer”
2 - “What Was That”
3 - “Shapeshifter”
4 - “Man of the Year”
5 - “Favourite Daughter”
6 - “Current Affairs”
7 - “Clearblue”
8 - “GRWM”
9 - “Broken Glass”
10 - “If She Could See Me Now”
11 - “David”
Avaliação: muito bom
Gravadora: Universal/ Republic
Produção: Lorde, Jim-E Stack, Dan Nigro e Buddy Ross
Duração: 35 minutos
Lorde: vocal e espanta-espíritos (11)
James Harmon Stack: sintetizador (1 a 6 e 8 a 11), samples de bateria (1 a 6 e 8 a 10), teclado (1 a 5 e 7 a 11), piano (2, 3, 8 e 9), bateria (2), baixo (3, 4 e 6), glockenspiel (3), bateria eletrônica (5), guitarra (6), efeitos (7 e 11) e piano Wurlitzer (11)
Buddy Ross: sintetizador (1, 8 e 10); teclado e piano (1); samples de bateria (8)
Daniel Nigro: sintetizador, guitarra, baixo (2 e 9); piano (2)
Andrew Aged: guitarra (2, 3, 5, 6 e 10) e violão (9)
Rob Moose: violino e viola (3)
Gabriel Cabezas: violoncelo (3)
Craig Weinrib: bateria (3)
Devonté Hynes: violoncelo e baixo (4); sintetizador e guitarra (5)
Eli Teplin: piano (4 e 5), teclado (4) e sintetizador (5)
Devin Hoffman: baixo, violão e guitarra (10)
Kyle Crane: bateria (10)
Justin Vernon: guitarra e baixo (11)
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