Crítica: Julien Baker & Torres - Send a Prayer My Way
Dupla lança álbum de estreia pela gravadora Matador
Julien Baker e Mackenzie “Torres” Scott têm muito em comum: ambas foram criadas no Sul dos Estados Unidos, Tennessee e Georgia, respectivamente, e ambas são homossexuais assumidas. Em um ambiente como os da infância, ser gay não era nada convidativo, então elas não tiveram uma vida muito fácil. Mas acabaram apaixonadas pelo country, gênero musical que é uma das colunas da música popular do país, visível nos trabalhos solos das duas ao longo dos anos.
Um dia, na pandemia, Scott mandou uma mensagem para Baker sobre gravar um disco no estilo e precisou esperar o fim da turnê de sucesso das Boygenius, trio formado com Phoebe Bridgers e Lucy Dacus, para finalmente conseguir trabalhar as demos trocadas entre 2020 e 2021. E esse momento chegou. “Send a Prayer My Way” é o primeiro trabalho da dupla em uma grande homenagem aos dias passados ouvindo os grandes do gênero.
A melancólica “Dirt” já começa como uma música country começaria: cheia de tristeza, misturada com uma pitada de amargura e um pingo de arrependimento. Aqui, elas não devem nada para ninguém e iniciam o álbum muito bem. Descrita como uma música sobre gente esquisita, “The Only Marble I've Got Left” tem um andamento muito gostoso e o vocal combinado das duas funciona muito bem, enquanto “Sugar in the Tank” apela ao amor romântico com um bom refrão.
“I care too much for my own good/ I got a dog in each and every fight/ Lost a few along the way as soon as day turns into night/ I have been known to go looking to find what was mine” abre a delicada “Bottom of a Bottle”, um dos grandes acertos do álbum ao ser uma canção que parece retirada do fundo da alma ao abordar o sofrimento bem sentido, aquele insone e que parece desligar toda lógica da cabeça para enfiá-la nas piores situações possíveis. E quanto mais tenta esquecer, pior fica.
Na sequência, “Downhill Both Ways” traz a lembrança dos tempos de adolescência de Baker e as reflexivas “No Desert Flower”, “Tape Runs Out” e “Off the Wagon” trazem o momento mais triste e melancólico de todo trabalho, uma grande homenagem às baladas country que fizeram e fazem parte da vida das pessoas ao longo das últimas décadas. Os arranjos delicados, a combinação das vozes e os instrumentos no andamento e altura certos ajudam a destacar o trabalho de todos os envolvidos.
Mas é na brutal “Tuesday” que elas mostram como a vida nunca foi fácil para elas, principalmente no início do processo de descoberta de quem eram no íntimo (“Now I wish that I hadn't stepped down and lied/ When I acted like it was nothing to me/ And if I could only go back in time/ I'd rewrite our whole story”) – e ainda terminam com uma piadinha. Se a tristonha “Showdown” traz um grito silencioso por ajuda, “Sylvia” é uma homenagem para cachorrinha de Baker em uma declaração de amor muito bonitinha. O álbum encerra com a leve e simpática “Goodbye Baby”, dedicada a Jenna Gribbons, esposa de Torres.
As últimas três músicas, mais alegrinhas e simpáticas, não condizem com o resto do álbum, uma verdadeira pancada sonora. Usando tudo que tem direito em “Send a Prayer My Way”, Julien Baker e Torres entregam um disco muito bom, reflexivo e pronto para atrair mais gente para o country, nesse reconhecimento dos serviços prestados dos nomes mais famosos em músicas que fizeram história.
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Tracklist:
1 - “Dirt”
2 - “The Only Marble I've Got Left”
3 - “Sugar in the Tank”
4 - “Bottom of a Bottle”
5 - “Downhill Both Ways”
6 - “No Desert Flower”
7 - “Tape Runs Out”
8 - “Off the Wagon”
9 - “Tuesday”
10 - “Showdown”
11 - “Sylvia”
12 - “Goodbye Baby”
Avaliação: muito bom
Gravadora: Matador
Produção: Julien Baker, Mackenzie Scott & Sarah Tudzin
Duração: 40 minutos
Julien Baker: vocal e violão
Mackenzie Scott: vocal e violão
Sarah Tudzin: bateria (faixas 5 e 11); engenheira de som
Sarah Jaffe: baixo
Zöe Brecher: bateria
Aisha Burns: fiddle
J.R. Bohannon: guitarra pedal steel (faixas 1 a 10), guitarra guitar (faixa 11) e violão (faixa 12)
Sarah Goldstone: piano (faixa 1) e órgão Hammond (faixa 3)
Thor Harris: bongô (faixa 7)
Heba Kadry: masterização
Trina Shoemaker: mixagem
Gory Smelley: engenheiro de som
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