Crítica: Bad Bunny - Debí Tirar Más Fotos
É o sexto álbum de estúdio do cantor porto-riquenho
Começo esse texto com uma confissão: apesar de saber quem é e ter contato com algumas músicas, não tenho muito conhecimento sobre a obra de Bad Bunny, cantor nascido em Porto Rico que, como alguns compatriotas, explodiu para o mundo e é um grande sucesso. E com todo mérito, porque conseguir arregimentar milhões de pessoas pelo mundo nesse nível realmente é para poucos. Por conta disso, estava nos planos fazer uma crítica curta de “Debí Tirar Más Fotos”, sexto álbum da carreira dele. Mas uma coisa me faz mudar de ideia.
Nos últimos 15 dias, ouvi o novo álbum do BaianaSystem todos os dias - às vezes o dia inteiro. E me tocou muito essa conexão entre religião, herança africana, comunhão com nossos irmãos latinos e muito de Brasil. Difícil não o achar o melhor álbum do ano até o momento. Isso, mais as pessoas falando do novo disco de Bad Bunny, me fez ouvir o disco com mais atenção e pensar em escrever algo mais longo. Pode não parecer ou muita gente pode não entender, mas o Brasil está muito mais próximo da realidade contada por ele do que de qualquer ídolo dos Estados Unidos ou de qualquer outro lugar na Europa. É essa conexão e um repertório tão pessoal que fazem de “Debí Tirar Más Fotos” algo muito especial.
Ele começa usando o sample de “Un Verano en Nueva York”, do El Gran Combo de Puerto Rico y Andy Montañez, um dos primeiros grupos de salsa a fazer sucesso nos Estados Unidos na faixa de abertura para mostrar o pontapé inicial do gênero fora do local de origem (“Nuevayol”). Se “Voy a Llevarte Pa' PR”, “Perfumito Nuevo” e “Kloufrens” celebram a própria solteirice do cantor e diferem do resto do álbum na temática, depois ele parte para homenagens a Porto Rico em histórias de teor muito pessoal. Ele começa falando de um amor inesquecível em uma salsa (“Baile Inolvidable”) e parte para o romance adolescente (“Weltita”).
A próxima homenagem à cultura porto-riquenha não está em falar de um lugar em um momento, mas na colaboração com Omar Courtz e Dei V em “Veldá”, um reggaeton cheio de efeitos e semelhante ao feito no início dos anos 2010, quando o gênero explodiu no mundo, e “Eoo” vai ainda mais longe ao falar dos pioneiros de uma década antes e fundamentais na construção das raízes desse estilo de música conhecido mundialmente hoje. Bad Bunny também é melancólico ao lembrar de um antigo relacionamento (“El Clúb”) e como nem sempre é bom se abrir completamente em um relacionamento apenas casual (“Ketu Tecré”). “Bokete” e “Turista” podem até ser outras músicas sobre relacionamentos que afundaram por uma série de coisas, mas o título da primeira, que significa buraco, também uma discreta crítica política a falta de manutenção das ruas de Porto Rico, enquanto a segunda fala das pessoas que vão para Porto Rico, aprendem sobre os problemas locais e esquecem de tudo assim que retornam para casa. Ele balança entre a tristeza e o social como um conhecedor de causa de ambos.
Os ritmos locais são misturados com os sintetizadores em “Café con Ron”, uma mistura de música dançante com lembranças de um tempo que não volta mais, já “Pitorro de Coco” apela para as tradições musicais mais profundas, aquelas ensinadas por avós e pais quando Bad Bunny ainda era um adolescente. E a política entra forte ao relembrar dos acontecimentos que levaram o Havaí a se tornar parte dos Estados Unidos em “Lo Que Le Pasó a Hawaii”, música na qual o cantor pede para o mesmo não acontecer com a amada Porto Rico (“Quieren quitarme el río y también la playa/ Quieren el barrio mío y que abuelita se vaya/ No, no suelte' la bandera ni olvide' el lelolai/ Que no quiero que hagan contigo lo que le pasó a Hawái”).
A reflexão sobre a passagem do tempo aparece na faixa-título ao lamentar não ter tirado mais fotos de momentos importantes da própria vida ao longo dos anos (“Debí tirar más fotos de cuando te tuve/ Debí darte más besos y abrazo' las veces que pude/ Ojalá que los mío' nunca se muden/ Y que tú me envíe' más nude'/ Y si hoy me emborracho, que Beno me ayude”). Bad Bunny encerra o album com “La Mudanza”, uma declaração de amor aos pais, a Porto Rico, relembra algumas das pessoas mais famosas do país e pede a independência da ilha, um território não incorporado dos Estados Unidos.
Muitas vezes, as pessoas confundem amar o país com esse nacionalismo tosco da extrema-direita que vem ganhando força no mundo na última década. Bad Bunny ama Porto Rico e recorda com carinho tudo que viveu ali enquanto crescia em um país pobre da América Latina, misturando lembranças musicais do passado com o gênero dançante que o fez conquistar fãs por aí, sempre de um jeito muito próprio. “Debí Tirar Más Fotos” também toca fundo ao falar das pessoas, quem realmente deixa os lugares inesquecíveis. É por isso que o brasileiro que ouvir esse disco tem a chance se ser tocado por todas essas lembranças e também recordar com carinhos de momentos vividos e nunca esquecidos.
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Tracklist:
1 - “Nuevayol”
2 - “Voy a Llevarte Pa' PR”
3 - “Baile Inolvidable”
4 - “Perfumito Nuevo” (with RaiNao)
5 - “Weltita” (with Chuwi)
6 - “Veldá” (with Omar Courtz and Dei V)
7 - “El Clúb”
8 - “Ketu Tecré”
9 - “Bokete”
10 - “Kloufrens”
11 - “Turista”
12 - “Café con Ron” (with Los Pleneros de la Cresta)
13 - “Pitorro de Coco”
14 - “Lo Que Le Pasó a Hawaii”
15 - “Eoo”
16 - “DTMF”
17 - “La Mudanza”
Avaliação: ótimo
Gravadora: Rimas
Produção: Aidan J Cullen, Bassyy, Big Jay, Cabra, The Change, Chencho Corleone, Chuíto el de Bayamón, Cuz Zaid, Digital Jet, Don Oskar, DYSBIT, Elikai, EVRGRN, Flor Morales Ramos, Foreign Teck, Frank King, Jonathan Asperil, JULiA LEWiS, Julito, Justi Barreto, KAR Beats, La Paciencia, Luis Amed Irizarry, MAG, Maldy, M. De La Cruz, Mick Coogan, Mvsis, Nimaca, The Ozakis, Pau Donés, Richi López, Saox, Scotty Dittrich, Smash David, Tainy, Tyler Spry, UV Killin Em & Wisin
Duração: 1h02
Bad Bunny: vocal
Chuwi, Dei V, Los Pleneros de la Cresta, Omar Courtz & RaiNao: vocal de apoio e instrumentos diversos
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