"A Sort of Homecoming": U2 visita o passado olhando para o futuro
Bono e The Edge recebem David Letterman na Irlanda para conversar e apresentar novas versões de velhos sucessos
O U2 não precisa provar mais nada a ninguém há muito tempo, mas a banda segue tentando fazer coisas diferentes, ainda que não agrade - por exemplo, colocar um disco inteiro no iPhone das pessoas sem autorização em 2014. Foi justamente nessa época o início da trilogia "Songs", com "Songs of Innocence", "Songs of Experience", de 2017, e "Songs of Surrender", um longuíssimo álbum de regravações disponibilizado recentemente.
Como complemento a trilogia e amarrando também com a autobiografia de Bono, chamada "Surrender: 40 músicas, uma história", o Disney+ disponibilizou o documentário "Bono & The Edge - A Sort of Homecoming com Dave Letterman", dirigido por Morgan Neville, quando os dois integrantes da banda retornam à Dublin, na Irlanda, para falar sobre infância, criação do grupo e como chegaram até ali pessoal e musicalmente falando, oportunidade perfeita para falar do novo trabalho.
Sendo quem são e com uma grande corporação por trás, o U2 aproveitou a chance para incrementar o longa e convidar David Letterman, um velho conhecido deles, para conhecer a cidade, apresentá-la ao público e ser o fio condutor da conversa. O documentário se desenrola em três vertentes: conversas de Letterman com Bono e The Edge, passeios do apresentador por lugares históricos e apresentação de algumas músicas.
Perto dos 75 anos, Letterman ainda mantém uma genuína curiosidade em saber das coisas, e isso funciona muito bem. Poderia ser o diretor nesse papel? Sim, mas um dos melhores e mais afiados apresentadores de talk show dos Estados Unidos dá uma cara ao projeto, um ar de validação para não ser chapa-branca, ainda que ele pegue leve nas perguntas.
Mesmo assim, a dupla faz boas revelações. Por exemplo, não tinha ideia que os quatro integrantes faziam parte da Renovação Carismática Católica e receberam um ultimato: entrar de vez e abandonar a música. Aflito e em crise existencial, The Edge ficou dias trancado no quarto e saiu com a letra de "Sunday Bloody Sunday". Ou a clássica revelação que todos na banda já estiveram por um triz de sair, principalmente quando Bono virou o superastro pronto para resolver todos os problemas do mundo - ele mesmo admite ter sido insuportável em vários momentos. Eles ainda explicam como era viver na Irlanda dos anos 1960 e 1970, e como esse período foi fundamental para o nascimento do U2.
As canções intimistas de "Songs of Surrender" em um teatro local são um momento a parte, diferentemente de quando, em um bar, Bono e The Edge se misturam com músicos anônimos para uma simpática gravação com pessoas de gerações tão diferentes, em uma Irlanda melhor, menos caótica, mais disposta ao diálogo e pronta para unir-se com o vizinho do norte após tantos anos de desavenças e mortes inexplicáveis de ambos os lados.
"Bono & The Edge - A Sort of Homecoming com Dave Letterman" traz metade do U2 e homenageia os outros dois em uma bonita história da relação deles com o país natal ao longo dos anos, fundamentais para não entrarem de cabeça no mundo louco das celebridades. O documentário mostra duas pessoas orgulhosas das próprias raízes e, com bonitas imagens, uma boa edição e Letterman fazendo o que sabe de melhor, o U2 admite publicamente a velhice e parece pronto para mais esse momento da carreira.
Avaliação: bom
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Caso não assista ainda, recomendo a série de entrevistas do Letterman na Netflix. Mostra muito dessa curiosidade que você comentou, Fagner. Ainda não vi esse especial, mas devo dizer que acho que trilogia recente do U2 bem injustiçada. O lance do disco no iPhone foi imperdoável mesmo, mas tinha músicas muito boas que passaram batidas. Acho que acabou "diminuindo" a banda aos olhos de muita gente, mas pra mim não muda nada do grande legado que eles já têm :)
Excelente análise. Só porque falou bem do U2, já assinando. 😄