In-Edit Brasil 2025, dia 4: maestro, feitiços e luta
Críticas de “Sexo, Maracas Y Chihuahuas”, “Amor E Morte Em Julio Reny” e “La Marsellesa De Los Borrachos”
“Sexo, Maracas Y Chihuahuas” (2016, Diego Mas Trelles)
Um homem é feito de várias coisas ao longo da vida, como o trabalho, a vida que levou ou os feitos conseguidos. No caso de Xavier Cugat, ele foi um dos poucos seres humanos a unir todos esses aspectos, tendo vivido umas cinco vidas. “Sexo, Maracas Y Chihuahuas”, documentário dirigido por Diego Mas Trelles, conta um pouco dessa história maluca de uma vida geniosa e genial ao mesmo tempo.
Ainda criança, foi para Cuba e lá teve as primeiras lições no violino, instrumento primordial da carreira. Mas foi nos Estados Unidos, lugar onde chegou aos 15 anos, que teve o grande salto da carreira ao conseguir unir a música latina com os ritmos espanhóis em uma mistura que o levou ao estrelato em plena Era de Ouro de Hollywood, entre os anos 1920 e 1960. Cugat trabalhou com Charlie Chaplin, Carmen Miranda, Rita Hayworth, entre outros astros e estrelas e, por conta dos números musicais, está creditado em 34 filmes como ele mesmo.
O roteiro cobre bem a vida desse personagem fascinante, conhecido por casar muito e se divorciar rápido, mas me senti como se estivesse vendo um programa de fofoca desses de TV aberta por conta das longas falas sobre os casos com mulheres muito mais jovens e dos fetiches sexuais. Deu uma cansada. E fora ser aquele documentário com três finais, cansando ainda mais.
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“Amor E Morte Em Julio Reny” (2025, Fabrício Cantanhede)
Algumas vidas são cheias de vitórias e, no final, as lembranças ainda reinam como parte daquilo. Para Julio Reny, viver foi algo cheio de percalços desde os primeiros dias com uma bipolaridade só diagnosticada na vida adulta. Ele mesmo conta a própria história, com aparições pontuais da filha, no dramático documentário “Amor E Morte Em Julio Reny”, dirigido por Fabrício Cantanhede.
Se qualquer roteirista escrevesse algo do tipo “minha mãe tinha um amante, que era meu padrinho. Meu pai sabia e não só não ligava, como também tinha amantes” seria considerado algo forçado e muito pesado para uma criança lidar. Mas foi exatamente o que ocorreu com ele ao longo da infância, período em que foi internado em uma clínica psiquiátrica e só saiu de lá por mau comportamento. Para contar esses e outros causos, a edição usa e abusa da trilha dramática, de imagens em preto e branco e do músico lendo trechos do livro de autoria própria chamado “Radio Cool”.
Reny nunca conseguiu decolar na carreira como esperado por ele e pelos outros, gerando uma frustração e amargura muito presentes em todo filme. Assuntos mais delicados são falados e encerrados abruptamente, como a morte da primeira mulher, o afastamento da segunda filha por um motivo nunca esclarecido totalmente — o documentário também não traz mais nada sobre o caso — e a tentativa de suicídio. E ele acredita ser vítima de uma “feitiço” que acabou com a vida dele, deixando tudo ainda mais macabro.
O longa revive histórias em uma grande sessão de terapia e ajuda a entender um pouco mais esse grande personagem que, cheio de asas, sempre se queimou ao chegar perto do sol.
“La Marsellesa De Los Borrachos” (2024, Pablo Gil Rituerto)
Em 1961, pesquisadores italianos entraram na Espanha clandestinamente para registrar canções sobre a resistência durante a Guerra Civil ocorrida no país mais de duas décadas atrás e com vitória do ditador Francisco Franco. Para desacreditá-los, o regime lançou um panfleto chamado La Marsellesa De Los Borrachos (O Hino dos Bêbados em tradução livre), mesmo título do documentário dirigido por Pablo Gil Rituerto.
O diretor e a equipe fizeram a escolha ousada de refazer o caminho dos italianos, de cidade em cidade de carro, para entender melhor não apenas o trabalho deles no registro dessas músicas — seja por escrito, seja em um gravador muito precário —, mas para conhecer os lugares e as histórias das pessoas que lutaram contra a imposição da ditadura. A comoção é enorme ao ouvir gente falando da perda de avôs e tios, arrancados de casa e nunca mais vistos com vida ou homens presos, soltos e detidos novamente sem motivo por quase duas décadas. O longa mostra o trabalho de pessoas em escavações de ossadas em cemitérios clandestinos, uma esperança para parentes, enfim, darem um enterro digno a quem foi brutalmente assassinado.
As músicas são maravilhosas e são símbolos de resistência até hoje, com crianças e adultos as cantando com o mesmo fervor da época. A pesquisa para chegar nessas cidades, ouvir os depoimentos, achar documentos e gravações originais é brilhante. E a reprodução delas com novos artistas dá um gostinho de que, apesar dos pesares dos tempos atuais com a invasão da extrema-direita pelo mundo, muita gente não esqueceu os horrores da ditadura franquista.
É por documentários assim que vale a pena fugir das filas dos lugares mais cheios e dar uma chance ao assistir um documentário que preenche com maestria a cartela de como fazer um trabalho acima da média.
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“En La Caliente - Tales Of A Reggaeton Warrior” (2024, Fabien Pisani)
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