Discos históricos: The Bends, do Radiohead (1995)
O futuro da banda começou no segundo álbum de estúdio da carreira
“Estou doente pra caralho e fisicamente estou completamente fodido e mentalmente já estou farto”, disse Thom Yorke para “NME”, em 1993, durante a extenuante turnê de “Pablo Honey”, álbum de estreia que levou o Radiohead ao estrelato muito rapidamente com o avassalador sucesso de “Creep”, então tocada pelo apresentador da BBC Radio 1 John Peel três vezes por hora, cinco vezes por semana. Comparações com Nirvana eram inevitáveis. E antes mesmo do novo ano entrar, a banda que também conta com Jonny e Colin Greenwood, Ed O'Brien e Philip Selway, já estava esgotada.
Formada na escola em 1985, ainda chamada On a Friday, o grupo teve a vida mudada no início de década seguinte, quando a primeira demo deles fez grande sucesso e atraiu a atenção da EMI. Em uma época com grupos independentes conseguindo contratos gordos com grandes gravadoras (o Sonic Youth conseguiu uma bolada para assinar com uma divisão da Geffen), ninguém queria perder o potencial próximo fenômeno. Pareceu um grande acerto ao pedir para mudar o nome e apostar no agora Radiohead. O resultado do sucesso? Uma turnê intensa e praticamente sem descanso.
Isso gerou duas coisas: a frase dita por Yorke e pânico na gravadora, que enxergava neles uma mina de ouro se conseguisse mais músicas como “Creep”. O álbum de estreia nunca foi unanimidade entre críticos e fãs, nem mesmo em revisões posteriores, e nunca decolou nas vendas. Mas um sucesso é um sucesso, não importa o que digam os outros. Todo mundo queria um pedaço do Radiohead e outra música nesses moldes. Assim começou uma espécie de David contra Golias; um paciência contra pressa visto inúmeras vezes na indústria musical.
Começando por a gravadora querer um potencial single de sucesso quanto antes, deixando o álbum para depois. E não era assim que eles trabalhavam, muito menos Yorke, mas ele estava disposto a tentar até perceber que não estava passando por um bom momento ao lado dos companheiros. “Se não tivéssemos tido esse sucesso com ‘Creep’, não teríamos feito ‘The Bends’ e teríamos sido dispensados pela EMI. Não é loucura?”, disse o baixista Colin Greenwood, em entrevista para “Louder”, em 2024.
A motivação em provar que o sucesso não foi um golpe de sorte fazia Yorke aproveitar qualquer tempo livre da turnê para escrever, escrever e escrever. Parecia que ele não fazia outra coisa. Ao entrar em estúdio para começar a trabalhar no novo disco, a sensação era a pior possível: eles se sentiam um bando de fracassados sem talento e prontos para abandonar tudo. O vocalista mesmo pensou em desistir e quase pediu demissão durante esse árduo processo, com o prazo curtíssimo de nove semanas dado pela EMI para escrever e gravar do disco ajudando a piorar esse turbilhão de emoções. Eles queriam o novo álbum nas lojas em outubro de 1994.
“‘The Bends’, para mim, será contaminado por uma imagem particular que tenho de um momento muito ruim. Sentado no estúdio, pensando, ‘Não, não acho que podemos fazer isso juntos. Vamos ter que nos separar’. Pensando, ‘Não quero mais fazer isso’ em letras grandes, depois em letras menores, ‘E eu vou comprar um carro e dirigir para longe e não vou voltar’. Tenho certeza de que todos na banda estavam passando por isso”, falou Yorke para “Time Out”.
Muito mais de uma vez, Paul McCartney e Ringo Starr contaram como era solitário pertencer aos Beatles, apesar de toda fama e fortuna que o talento proporcionou a eles na juventude. Não era simples viver cercado por seguranças, indo de hotel em hotel, de apresentação em apresentação, retornar para casa, entrar em estúdio para gravar um novo disco e recomeçar todo processo. A decisão em parar de fazer turnês não foi tomada por capricho, mas por pura exaustão. O Radiohead sentia isso na pele e nem havia lançado o segundo álbum. O experiente produtor John Leckie foi fundamental para colocá-los no rumo, principalmente ao lidar com os executivos da gravadora e isolar a banda das cobranças e problemas menores (a regra dele era: “se tudo é um problema, então nada é um problema”). Foi assim que a gravadora recuou na ideia do lançamento apressado de um single. O Radiohead ganhava força no braço de ferro, começando a virar um jogo que parecia perdido — havia apostas entre os executivos sobre quando eles seriam demitidos.
No período de maior tensão, Yorke se mantinha são quando estava trabalhando em novas músicas sozinho, mas não havia como fugir completamente disso. A banda estava se isolando em cinco indivíduos solitários que não conversavam entre si, a receita para o fim de qualquer relacionamento. O adiamento do prazo para entrega do disco deu novo fôlego e trouxe um novo ultimato: era melhor ser um álbum acima das expectativas. Não ajudava muito parar o trabalho para sair em turnês de curta temporada e retornar. E foi em um desses momentos que eles tiveram uma briga épica, dessas com ofensas pesadas, dedo na cara, gritos, choros soluçantes e desabafos. Poderia ser o fim de tudo, com eles sendo apenas mais um one-hit wonder tocando em cruzeiros saudosistas para fãs barrigudos com mais de 40 anos. Mas acabou sendo o início de uma amizade duradoura e de uma energia diferente para criação do que seria “The Bends”.
“Foi horrível. Estávamos questionando tudo demais, questionando os fundamentos do que estávamos fazendo. Foi horrível, mas acho que esse é o problema com a educação universitária. Você acaba pensando demais”, falou Ed O'Brien para “NME”, aos risos.
Ao retornar, “Fake Plastic Trees” foi a primeira música que eles acertaram e gostaram, com um Yorke inspirado após assistir uma apresentação de Jeff Buckley. Assim, como em um passe de mágica, começou a brotar uma música atrás da outra, tudo muito melhor do que qualquer coisa feita no álbum de estreia. Leckie não se impressionava apenas com a qualidade das letras, mas também com a disposição deles como uma unidade para criar algo coeso e além de qualquer expectativa criada pelos fãs, pela gravadora ou por eles mesmos. Ainda que lentamente, as canções ganhavam corpo e forma, com grande ajuda do então engenheiro de som e futuro produtor Nigel Godrich, enquanto “Creep” ia perdendo fôlego nas rádios.
Tudo caminhava bem até começar o drama da mixagem. O problema aconteceu logo após a escolha de “My Iron Lung” para ser o primeiro single do trabalho, quando Leckie simplesmente não conseguia acertar ou demorava muito tempo. Um trabalho de dois ou três dias completou uma semana e nada de ficar pronto. No limite, o Radiohead pediu ajuda para Sean Slade e Paul Q. Kolderie, produtores do primeiro disco. Claro que Leckie não gostou nada de ser excluído desse importante momento.
“Ah, as mixagens finais são um pouco impetuosas. Eles são meio, ‘Zing! Olhe para mim!’ O que eu não achava que a banda queria. Passei por um pequeno trauma na época, mas talvez eles tenham escolhido a melhor coisa. Foi uma pena que eles não me contaram”, contou ele à “NME” anos depois. Enquanto ele ficava traumatizado com a experiência, os diretores da EMI pulavam de alegria com o disco pronto e com o resultado de enorme potencial, que mostrava uma banda madura e pronta para mostrar que “Creep” não era um golpe de sorte e provar não ser apenas um hit.
Lançado em 13 de março de 1995, “The Bends”, um termo para um problema de nadadores de águas profundas quando sobem muito rápido e acabam com bolhas no sangue, foi o início de um novo Radiohead ao conseguir cravar o primeiro lugar na parada do Reino Unido. As mudanças de estilo de composição e estética foram definitivas na história da banda, um marco para o início de algo novo e grandioso surgido nos anos seguintes. Em toda crise há oportunidade, já diria o outro. Para esses ingleses, todo drama e problemas foram combustíveis para nunca mais abrirem mão da própria idoneidade.
Crítica de “The Bends”
Ao olhar a discografia do Radiohead, “Pablo Honey” soa como um estranho no ninho e um completo ponto fora da curva. E parece que eles estavam tentando unir dois mundos em “Planet Telex”, faixa de abertura de “The Bends”, ao misturar um lado mais experimental com uma pegada pop radiofônica na única música escrita antes do início das gravações — Yorke gravou o vocal deitado no chão do estúdio —, nessa que pode ser chamada de mãe do “OK Computer” (1997).
O vocal de Yorke, colado no microfone, ajuda a fazer da faixa-título um desabafo profundo sobre quem são seus amigos de verdade e quem quer apenas subir no barco da fama. A ironia e o bom-humor estão presentes, mas é um desabafo honesto das consequências de uma ascensão muito rápida ao estrelato. Uma das consequências disso é ceder às pressões da gravadora para colocar “High and Dry” no repertório do álbum, uma tentativa de emplacar um novo hit no curso da mudança do rock logo após a morte de Kurt Cobain, vocalista do Nirvana. É uma balada água com açúcar que não fede nem cheira.
A comparação entre a anterior e “Fake Plastic Trees” chega a ser injusta. Um dos clássicos do Radiohead com um dos melhores clipes dos anos 1990, a quarta música aborda com maestria a sociedade do consumo e como isso afeta profundamente nossas relações (“Her green plastic watering can/ For her fake Chinese rubber plant/ In a fake plastic Earth/ That she bought from a rubber man/ In a town full of rubber plans/ To get rid of itself”). Aqui, Yorke encontrou a própria voz como cantor e pôde, a partir disso, escrever mais músicas em cima disso.
O Radiohead do novo testamento começa a nascer em “Bones”, uma faixa de guitarra raivosa para falar de envelhecimento. Com menos de 30 anos e apenas dois discos lançados até então, eles se sentiam velhos e presos, mas se recusavam a aceitar esse papel, então partem para a deliciosa balada “(Nice Dream)” — nascida quando todos tocavam violão no estúdio em um dia de gravação. É uma das músicas mais bonitas da discografia, principalmente pelo arranjo de cordas que John Leckie colocou de última hora, deixando Yorke irritado quando descobriu que ele havia feito algo parecido no álbum do Ride meses antes.
A solidão narcisista é abordada em “Just”, outra canção cheia de guitarras, enquanto a melancólica “My Iron Lung” aborda o fato de “Creep” ser uma benção e uma maldição. Por um lado, eles ganharam dinheiro o suficiente para não depender mais de ninguém; por outro, eles viraram reféns do sucesso e todos aguardavam outra música parecida (“Suck, suck your teenage thumb/ Toilet trained and dumb/ When the power runs out, we'll just hum/ This, this is our new song/ Just like the last one/ A total waste of time, my iron lung”). E toda pressão pela gravação do disco resultou em “Bullet Proof ... I Wish I Was”, quando a agonia era tão grande que levar um tiro era uma solução para acabar com tudo.
A saúde mental é tema da bonita “Black Star”, outra canção de “The Bends” que merecia mais atenção dos fãs e da crítica, com a banda inteira mais entrosada do que nunca em um grande momento melódico. O álbum encaminha para o final com “Sulk”, escrita como uma resposta ao massacre de Hungerford, quando 17 pessoas e o assassino morreram. Como a morte de Cobain ainda estava fresca na cabeça das pessoas, toda e qualquer referência ao uso de armas foi alterada da letra original — a banda não toca essa música ao vivo há 30 anos. Mas é no encerramento sombrio de “Street Spirit (Fade Out)” que, segundo Yorke, está a verdadeira alma dele como compositor ao refletir sobre existência, vida e morte (“Cracked eggs, dead birds, scream as they fight for life/ I can feel death, can see its beady eyes/ All these things into position/ All these things we'll one day swallow whole”).
Conhecida por ser uma banda melancólica, reflexiva e sem medo de ousar no uso de instrumentos ou nos clipes, o Radiohead aprendeu da pior forma possível a não abdicar dos próprios desejos artísticos em prol de opiniões de terceiros. Talvez o tenha sido um erro assinar com a EMI lá atrás e não experimentar a liberdade artística antes de conseguir um contrato melhor do que os dos contemporâneos. Mas sem o dinheiro investido, eles nunca teriam tido a chance de fazer “The Bends”, o início de uma jornada musical que mudaria para sempre o patamar deles na música.
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Ficha técnica
Tracklist:
1 - “Planet Telex” (4:19)
2 - “The Bends” (4:06)
3 - “High and Dry” (4:17)
4 - “Fake Plastic Trees” (4:50)
5 - “Bones” (3:09)
6 - “(Nice Dream)” (3:53)
7 - “Just” (3:54)
8 - “My Iron Lung” (4:36)
9 - “Bullet Proof ... I Wish I Was” (3:28)
10 - “Black Star” (4:07)
11 - “Sulk” (3:42)
12 - “Street Spirit (Fade Out)” (4:12)
Música e letra foram compostas pelo Radiohead
Gravadora: Parlophone/ Capitol
Produção: John Leckie, Radiohead, Nigel Godrich & Jim Warren
Duração: 48 minutos
Estúdios: RAK (Londres), The Manor (Oxfordshire) e Abbey Road (Londres)
Thom Yorke: vocal, guitarra, piano e arranjo de cordas
Jonny Greenwood: guitarra, órgão, flauta doce, sintetizador, piano e arranjo de cordas
Ed O'Brien: guitarra e voz
Colin Greenwood: baixo
Philip Selway: bateria
Caroline Lavelle: violoncelo
John Matthias: viola e violino
John Leckie: mixagem (faixas 8 e 12), engenheiro de som e mixagem adicional (faixa 2)
Radiohead: mixagem (faixa 8)
Nigel Godrich: engenheiro de som
Sean Slade: mixagem (faixas 1 a 7 e 9 a 11)
Paul Q. Kolderie: mixagem (faixas 1 a 7 e 9 a 11)
Chris Brown: engenheiro de som
Guy Massey e Shelley Saunders: engenheiro de som assistente
Chris Blair: masterização
Stanley Donwood e The White Chocolate Farm: arte da capa
Green Ink: esboço da capa
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